Polarização política; um poço sem fundo

As redes sociais têm sido o campo de batalha da polarização política

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A polarização política contaminou as relações familiares, religiosas, sociais e profissionais

Os conflitos e polarização política instalaram-se de vez na eleição presidencial deste ano e tornou a convivência pacífica impossível em milhares de famílias, círculos familiares, sociais e religiosos, sem contar os ambientes profissionais.

Os personagens desta reportagem moram nos Estados Unidos e concordaram em dar seus depoimentos com a condição de anonimato, pois convivem com suas famílias e amigos que tem posições políticas contrárias e por causa disto, a divergência se estabeleceu.

A exemplo do que aconteceu em 2018, as contendas começam nas redes sociais e no WhatsApp com seus grupos repletos de mentiras e fake news e se expandem de tal forma que parentes e amigos estão rompidos e brigados, alguns sem qualquer perspectiva de reatamento das relações num curto espaço de tempo.

Outro segmento onde a polarização chegou e pesou o clima é na religião. Tal como no Brasil, a política tomou púlpitos e comunidades evangélicas inteiras e quem ‘veste vermelho’ é tido como ‘esquerdista’, ‘comunista’ e ‘petista’. O que vale é ser ‘patriota’ e vestir verde e amarelo. A contenda extrapola os ambientes das igrejas e comunidades e os debates costumam ser acalorados e muitos fiéis têm ficado pelo caminho. 

Mariana faz parte de uma comunidade cristã nos Estados Unidos há muitos anos. Foi lá que ela se casou, onde nasceram os seus filhos e estão – ou estavam – seu amigos. “Quando começou as campanhas políticas eu percebi algumas coisas estranhas. Um dia o pastor convocou uma reunião da liderança, da qual eu fazia parte e foi direto no ponto: queria o compromisso de que todos sem excessão apoiassem o presidente Jair Bolsonaro. Disse que fazia questão da unanimidade e quem não concordasse, que colocasse os seus cargos e funções a disposição. Eu, meu marido e dois primos, decidimos que não iríamos concordar e falamos para ele o nosso ponto de vista. O voto é livre e naquela altura ainda não tínhamos decidido em quem votar, embora tivéssemos a certeza de que o atual presidente não teria os nossos votos. O pastor sempre foi nosso amigo desde os tempos de Brasil, e nos tratou com rispidez, dizendo que queria uma outra reunião conosco que aconteceu uns dias depois debaixo de muita tensão. O pastor foi incisivo e reafirmou que desejava que todos apoiassem o seu candidato. Em momento algum ele nos perguntou em quem votaríamos e diante da posição dele, nos retiramos da nossa querida igreja. Amigos de longa data e pessoas com quem tínhamos comunhão deixaram de falar conosco e algumas vezes quando nos encontraram viraram a cara ou nos ignoraram, um dos poucos amigos que nos deram razão, propôs que fizéssemos de conta concordar com o pastor. Jamais faríamos isto. No primeiro turno votamos na Simone Tebet e no segundo turno não votaremos em Bolsonaro. O que estamos sentindo? Um grande desapontamento e frustração por ver que a polarização e intolerância política tomou conta dos púlpitos tanto aqui nos Estados Unidos, quanto no Brasil e nos dói quando nossos filhos pequenos nos perguntam quando vamos voltar a frequentar a igreja. Acho que nunca mais voltaremos lá, porque o amor de Deus e a pregação de fé deu lugar para a intolerância e para os maus costumes. Lamentável”, finaliza.

A intolerância também tomou conta de muitas famílias e decidir em quem votar tornou-se motivo de brigas e desavenças, como foi o caso de Carlos. “Sempre fomos uma família muito unida e nos ajudamos o tempo todo. Minha família passa de 50 pessoas que moram nos Estados Unidos e tem de tudo nela. Cruzeirense, atleticano, flamenguista, vascaíno, palmeirense, corintiano, católicos, evangélicos e espíritas entre tios, primos, cunhados, genros, noras e netos. Nada em tempo algum foi capaz de nos separar e de evitar qualquer problema. Éramos de fato uma família verdadeiramente unida, até que a política entrou no meio e acabou com tudo. Na eleição passada, muitos dos parentes votaram no Bolsonaro e mesmo que alguns tenham se fanatizado, sempre vivemos em harmonia neste período. Porém, na campanha deste ano, as coisas pioraram muito, até o marido de uma prima que é gaúcho e torcedor do Internacional, foi acusado de ser comunista porque postou uma foto com a camisa vermelha do seu time do coração. Sou um dos moderadores do grupo da família no WhatsApp e nunca aceitamos qualquer discussão ou postagem política. Um dos nossos tios, postou alguma coisa e pedimos que ele excluísse, o que gerou um grande conflito. Nunca poderia imaginar ver tantas ofensas, xingamentos, tensão e desarmonia como vi. Até meu padrinho que é um homem sensato e ponderado saiu da linha ao afirmar que se houver uma guerra civil no Brasil, vai lá ‘matar comunistas e esquerdistas’. A família rachou pela metade, e até quem não votou no Bolsonaro achou um absurdo total a polarização. Inclusive, o meu voto seria do atual presidente, mas diante do estado de coisas, da falta de civilidade e do ódio dos meus familiares decidi que não vou votar nele. Lamentável mesmo é não poder reunir toda a família nos Estados Unidos por causa da opção política e se isto acontecer, tenho a certeza de que alguns dos parentes são capazes de chegar às vias de fato. No fim de setembro deixamos de comemorar em família o aniversário de 70 anos de uma tia que foi a que abriu as portas da América para o resto da família, e que sofre de uma doença terminal. Diante das tensões e intolerância de alguns parentes porque ela disse que votou no Lula, decidimos cancelar a festa há muito planejada. O que acho de tudo isto? Que a cordialidade na nossa família acabou e que as coisas jamais serão as mesmas, o que é lastimável e frustrante”, conclui.

  • Respeite quem tem um candidato diferente do seu;  
  • Não ofenda e nem xingue quem pensa e vota diferente de você:
  • Não rompa laços familiares por causa da política;
  • Não hostilize pessoas que você não conhece;
  • Não faça nada que você possa se arrepender no futuro, incluindo ofensas pessoais;
  • Lembre-se que políticos estão preocupados em enriquecer;
  • Amanhã outros líderes políticos virão;
  • Não brigue com ninguém por causa da política;
  • Lembre-se que a democracia é pródiga em ex-presidentes… 

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros