QUANDO a política interfere nas relações familiares

A narrativa de um caso de intolerância política que quase acaba em tragédia

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Intolerância e ofensas com quem pensa diferente

Desde a eleição presidencial brasileira em 2014 polarizada pela disputa entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, passando pela eleição americana em 2016 entre Hillary Clinton e Donald Trump e desembocando em 2018 com Jair Bolsonaro de um lado e todos os outros candidatos de outro, algumas relações familiares e de amizades jamais foram as mesmas.

Com a eleição presidencial em plena campanha no Brasil, os ânimos estão acirrados e é muito comum ver pessoas desconhecidas se digladiando nas redes sociais, agredindo-se verbalmente sem a menor cerimônia e pouco se importando com as consequências dos seus atos e palavras. Os conflitos e os desentendimentos atingem famílias e tem sido comum ver parentes se digladiando por causa da política.

A narrativa a seguir é de Julia, uma brasileira de Minas Gerais, moradora em uma cidade ao sul de Boston, que pediu que seu verdadeiro nome fosse omitido. Julia e sua família presenciaram horrorizados uma briga que teve até tiro durante a cerebração do aniversário de 90 anos de sua mãe em Minas Gerais.

Cheguei aos Estados Unidos há cerca de 25 anos depois que meu marido foi sorteado na loteria do green card e desde então vamos pelo menos uma vez por ano ao Brasil. Junto com meu esposo, Alfredo somos donos de uma companhia de limpeza e ao contrário dele que é filho único sou de uma família de oito irmãos – quatro homens e quatro mulheres e somos muito unidos e fazemos de tudo para estarmos juntos sempre que possível. Em julho deste ano minha mãe fez 90 anos e combinamos fazer uma grande festa, pois ela é a nossa grande referência desde que papai morreu há sete anos. Ele foi líder político e sempre ajudou muita gente na nossa cidade já que era farmacêutico e dentro de casa aprendemos a respeitar todas as pessoas independente das suas opções políticas, religiosas, sociais e sexuais. Meus pais jamais permitiram que qualquer um dos filhos discriminassem uma pessoa a qualquer pretexto. Um irmão e uma irmã que é freira e eu moramos fora do Brasil – o irmão mora em Portugal e a irmã na Itália, e organizamos a festa de 90 anos da mamãe desde o ano passado. Planejamos cada detalhe e faríamos uma grande festa, que não aconteceu por causa da intolerância política que toma conta do Brasil. Meu irmão mais velho, que é engenheiro e trabalhou muitos anos na Usiminas é muito estimado e querido, pois ajudou muitas pessoas através de um trabalho social que ele desempenha mesmo depois de aposentado. Ele sempre foi sindicalista e é eleitor do PT, mas jamais ofendeu qualquer pessoa por causa da política e ao contrário de todos nós que somos católicos, ele é diácono de uma igreja batista, homem respeitado e querido que faz o bem a qualquer pessoa. Uma das minhas irmãs é casada há 30 anos com o Rodolfo que sempre foi politizado e boa praça. Homem trabalhador e honesto. Mas na eleição de 2014, alguma coisa mudou para pior com ele. Pela primeira vez eu vi discórdia na minha família por causa da política. Um dia ele ofendeu meu irmão por ele dizer que ia votar na Dilma, pois ele era eleitor do Aécio e por isso ofendeu pesadamente meu irmão e ficou um clima pesado entre eles. Passada a eleição as coisas se acalmaram e voltaram a se complicar no impeachment da Dilma e isto perturbou toda a família, e pela primeira vez eles se empurraram e trocaram insultos. No ano passado quando fomos ao Brasil, meu marido conversou separadamente com os dois e depois juntou-os e fez com que se entendessem pelo bem da família. Na viagem de volta ele me disse que estava preocupado pois as coisas não estavam resolvidas entre eles. Dito e feito. Meu cunhado nesta eleição resolveu que ia apoiar o Bolsonaro junto com meus dois sobrinhos e eles estão completamente envolvidos com a campanha dele. Quando chegamos ao Brasil para a festa, notei minha mãe tensa e preocupada e quando eu perguntei o que estava acontecendo, ela desconversou. Perguntei para minhas irmãs e elas também desconversaram e resolvi não insistir perguntando mais nada. A festa da mamãe estava prevista para acontecer no dia 11 de agosto e dois dias antes, uma das minhas sobrinhas me contou o motivo da tensão familiar. O meu irmão, o meu cunhado e meus sobrinhos haviam discutido umas semanas antes e se não fosse a intervenção de outras pessoas eles teriam se pegado de socos. Liguei para meu irmão e ele me prometeu que não iria provocar ninguém e que queria distância de qualquer confusão, já meu cunhado e meus sobrinhos não quiseram nem me ouvir. Na sexta-feira, 10, mandamos rezar uma missa em homenagem à mamãe e depois fomos para a chácara de um dos meus irmãos para jantar e se regozijar em família. Eu estava preocupada e tudo ia bem, até que um dos meus sobrinhos entrou correndo e disse que um tio queria matar o outro. Foi um horror. De um lado estava o meu irmão com um pedaço de pau nas mãos e do outro meu cunhado e os dois sobrinhos, um deles com uma arma nas mãos. Foi uma correria só e vi meu irmão e meu cunhado ensanguentados e rasgados. Pareciam dois animais selvagens se digladiando. Quando ele avançou sobre o meu sobrinho que estava armado, ouvi dois tiros e por um instante achei que ele havia matado meu irmão. As pessoas fugiam apavoradas e as coisas só se acalmaram quando minha mãe corajosamente entrou no meio da confusão, tomou a arma das mãos do meu sobrinho e desmaiou. Não havia mais clima algum para festa ou celebração. Eles haviam brigado por causa do Lula e do Bolsonaro e estragado um momento histórico e importante para a nossa família. Mamãe foi internada, cancelamos a festa e no dia seguinte estávamos todos doentes e chocados com o que havia acontecido. Meu irmão e meu cunhado estavam machucados e nem de longe parecia que haviam sido os melhores amigos de infância. Meu cunhado e meus sobrinhos pareciam dominados por uma força do mal e falavam em vingança o tempo todo. Meu cunhado sofreu um derrame dois dias depois e foi aí que a ficha dele e dos meus sobrinhos caiu. Mamãe internada, meu cunhado internado, uma família em pânico e nada que pudesse ser feito. Vim embora no dia 25 e as coisas pareceram se acalmar, já que o pastor do meu irmão, o padre, e mais dois amigos intervieram e conversaram com todos. Meu irmão foi ao hospital visitar o cunhado, se reconciliaram, depois conversou longamente com meus dois sobrinhos, mas o estrago que foi feito ainda vai demorar um tempo para ser corrigido. Mamãe teve uma crise de hipertensão e por mais que eles tenham conversado e se acertado, é lamentável que tudo isto tenha acontecido por causa da política. Rezo todos os dias para que definitivamente as coisas se acertem, pois vi o quanto somos impotentes diante da intolerância e do fanatismo político, onde candidatos tomam os ares de semi-deuses. Tenho nojo desta política suja e corrompida que quase provoca uma tragédia na minha família e que conseguiu estragar um momento que seria inesquecível para nós. Decidi contar essa história para servir de alerta para outras pessoas que estão fanatizadas e semeando suas agressões o ofensas contra quem pensa diferente”, conclui. 

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros