O valor da sua crença. Quem você segue?

A mentira, a desigualdade e a injustiça te causam indignação?

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Cristãos deixaram suas marcas de fé ao longo do tempo. E hoje? Fazem gestos de 'arminhas' nas igrejas

Em 1945, foi descoberto em Nag Hammadi, no Alto Egito, dentro de uma caverna, vasos contendo pergaminhos escritos no início da era cristã – incluindo o Evangelho de Tomé.

Cada vez que leio estes textos, ou trechos deles, uma pergunta assombra minha alma: até que ponto, aqueles que frequentam as igrejas, praticam o verdadeiro cristianismo?

Um cristão deve se indignar e lutar contra a mentira, a injustiça e a desigualdade? 

Deve ser incomodado e unir forças em defesa dos desvalidos, dos miseráveis, dos condenados sem crime (mais de 45% dos presos brasileiros não possuem sentença definitiva) e de uma grande parcela da população colocada na marginalidade?

Porque tive fome, e me destes de comer. Tive sede, e me destes de beber. Era forasteiro, e me acolhestes. Estava nu, e me vestistes. Adoeci, e me visitastes. Estava na prisão e fostes ver-me. (…) Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes”.

Pode um cristão defender a tortura e a pena de morte? Trocar livros por armas e defender a exclusão do outro?

Não pode ser uma aceitação superficial como sentar num banco de um jardim numa hora vaga qualquer e deixar a vida passar.

Aqueles encontros nas igrejas têm um sentido mais profundo. Um ato de comunhão entre todos com objetivos claros de transformação e unidade. Numa só pessoa. Num só gesto de irmandade e fé em Cristo.

Não pode ser algo trivial com objetivos puramente sociais.

Para chegarmos a este estágio de liberdade, muitos morreram em sua defesa. Foram séculos de perseguições brutais, antes que os cristãos conseguissem formular em credos aquilo que acreditavam.

Grupos dispersos e unificados deixaram suas marcas ao longo do tempo em busca de formulações formais de crença, numa tentativa, muitas vezes aleatórias, de consolidar seu grupo contra as exigências de outros grupos.

No século IV, por ordem do imperador romano Constantino, bispos cristãos se reuniram na cidade de Nicéa, litoral da atual Turquia, para entrarem num acordo quanto a uma declaração de crenças em comum.

Do ato ao fato. A apropriação da fé em busca de objetivos unicamente materiais e pessoais. A utilização do que é sagrado profanado por ludibriadores em benefício próprio.

Sejam atentos! 

Os doentes que frequentavam os templos de Asclépio (o de Roma, ficava na ilha Tiberina), o deus grego da medicina e da cura, filho do deus Apolo com a mortal Corônis, tinham que pagar para consultar os sacerdotes sobre ervas, exercícios, banhos e medicamentos. Eles também providenciavam para que os suplicantes passassem noites dentro do templo, onde diziam que o deus visitava os enfermos em sonhos.

Já quem desejava ser iniciado nos mistérios de Ísis, a deusa egípcia, em busca de proteção e bênção na vida e na outra, tinha que pagar uma soma considerável e gastava ainda mais nas vestes para os rituais, em oferendas e apetrechos.

Ou seja, o ato de enganar com falsas promessas sempre existiram. As trapaças apenas foram aprimoradas com o decorrer do tempo e hoje estão expostas diariamente com muito mais agressividade. O crime se materializa todos os finais de semana pelos templos espalhados mundo a fora. 

Nos países subdesenvolvidos como o Brasil, eles são vergonhosamente mais escancarados. Não existe limites para a pilantragem em nome de Deus.

Em muitas lugares de pregações, dos mais humildes aos mais suntuosos, o cramulhão tem hora e dia para baixar.

Os Apóstolos e evangelistas também enfrentaram falsos pastores ao longo de suas jornadas.

O Evangelista Filipe e o Apóstolo Tomé, são dois exemplos.

No Evangelho de Tomé, traduzido pelo professor MacRae, Jesus disse: “Se manifestardes aquilo que tendes dentro de vós, aquilo que tendes dentro de vós vos salvará. Se não manifestardes aquilo que tendes dentro de vós, aquilo que não manifestardes vos destruirá”. 

Para a doutora Pagels, a força desta afirmação está em que não nos diz em que acreditar, mas nos desafia a descobrir o que está oculto dentro de nós mesmos.

Quando compactuamos com o crime em defesa de nossas posições políticas, estamos violando Cristo! Quando aceitamos pacificamente a violência contra outro ser, estamos agredindo Cristo? Quando somos passivos diante da mentira, estamos ao lado dos hipócritas e fariseus que entregaram Cristo.

Quando aceitamos que padres e pastores utilizem os púlpitos das igrejas em benefício próprio, fazendo política partidária com a Bíblia numa mão e um sinal de arma na outra, estamos ao lado da mentira. Da falsidade. Da subversão da fé.

No Evangelho de Tomé esta definição fica clara: ‘a luz divina encarnada por Jesus é compartilhada por toda a humanidade, pois somos todos feitos ‘à imagem de Deus’.

Para Pagels, Tomé expressa assim o que tornaria, mil anos depois, um tema central do misticismo judaico e, mais tarde, cristão: que a ‘imagem de Deus’ está oculta em cada um de nós, ainda que muita gente permaneça inconsciente de sua presença.

Jesus foi preso ilegalmente. Foi interrogado por pessoas que não tinham poder de polícia. Entregue aos romanos (que não tinham nada contra ele), foi condenado. Seus detratores: a igreja, a elite de Jerusalém e o estado. 

Foi torturado uma manhã inteira, segundo arqueólogos judeus. Carregou por um longo caminho um madeiro que pesava, aproximadamente, 50 quilos e nele foi pregado.

Seu crime? Pregar o amor. A misericórdia. O perdão. Andar ao lado dos pobres, dos doentes e dos esquecidos. De abraçar todos e todas, indistintamente. De alertar aos avarentos, poderosos e ricos, sobre ganância, cobiça e o poder acima de qualquer coisa. Jesus pregou a paz entre os homens. Foi o pacificador de todas as coisas. 

A religiosidade é libertária. Pacificadora. Unificadora. Jamais excludente, mas includente.

No Brasil, infelizmente, o cristianismo virou em algumas denominações, sinônimo de cafajestada. Virou trampolim para picaretas. Gente abjeta que prega o ódio, a violência e a discriminação. Seres que perderam completamente os rumos que levam à Deus.

Na crucificação, conta Marcos, Jesus bradou que Deus o abandonara, soltou um último grito e morreu. Um centurião romano que o viu morrer declarou: “Verdadeiramente este homem era um filho de Deus”.

Tua fé, vai até aonde? Está devidamente de acordo com os teus pensamentos e ações?     

Gerald D

O gremista Gerald D escreve sobre artes, literatura, futebol e política com muita propriedade e consciência, o que reflete o seu gosto apurado pela boa leitura