Impressões de uma viagem – Califórnia a Massachusetts

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Depois de algum tempo sem viajar para lugar algum, precisei ir à Califórnia e fazer a viagem de volta para Boston de carro. Quase três mil milhas. Sim, quase três mil milhas, ou 44 horas e alguns minutos, ou mais ainda, um caminho interminável.

Viagem 1
Um dos mais charmosos e aconchegantes aeroportos americanos

Já conhecia a Califórnia e me surpreendi logo na chegada ao aeroporto de Long Beach, cujas formas arquitetônicas são dos anos 60, e um certo ar nostalgia. A vida lá parece ter parado no tempo. Circulando pelo aeroporto deu para ver velhinhos de cabelos impecáveis e velhinhas que pareciam ter ido no mesmo cabeleireiro do Bozo, pois os penteados eram rigorosamente iguais, sem contar aquelas de cabelo azul, que a gente só vê em filmes.

Circular pelas estradas da Califórnia, especialmente pela região de Los Angeles, é um desafio para quem dirige no trânsito de New England, onde a velocidade é reprimida e não se permite ir cinco milhas além do limite permitido sem que sejamos parados pela polícia, aliás, os policiais de New England teriam ataques só de ver o quanto andam os motoristas na Califórnia.

Bela, muito bela Califórnia, com suas montanhas e riqueza que chega a beira do exagero. Há pobreza também, mas isto é uma outra história. Meu destino era a região de Palm Desert, por sinal muito quente no inverno e por isso mesmo, povoado de gente que já se aposentou e foge do frio como o cão da cruz. Há também os bon vivants, com seus paletós de botões dourados, mocassins sem meia e mulheres de todas as idades com carteiras recheadas e muita disposição para esvazia-las em alguma loja.

Viagem 2
A exclusiva – e cara – El Paseo, com sua riqueza exagerada repleta de milionários gastadores e carrões que são o sonho de consumo de muita gente

Para chegar a região do low desert, passo por centenas, milhares de hélices eólicas gerando energia, a partir da captação do vento, num balé ritmado e belo ao mesmo tempo, deve ser por isso que este estado é tão rico. Passo pela segunda rua mais cara dos Estados Unidos – a El Paseo, mas antes cruzo a Frank Sinatra Boulevard, deve ser por que ele morava por aqui. Morava mesmo. Tinha um rancho no sopé das montanhas. Fico imaginando como deve ser o rancho do finado The Voice. Em Palm Desert que fica no Desert Area – a segunda região mais rica dos Estados Unidos, há restaurantes e lojas em profusão – todos muito caros, e é onde se vende a gasolina mais cara do país, mas nada que faça qualquer rombo nas contas milionárias. O filme Ocean 12, foi filmado num dos muitos cassinos existentes na região, e muita gente lembra da beleza ímpar de Catherine Zeta Jones, já o público feminino prefere Brad Pitt, George Clooney e Michael Douglas, que embora não trabalhasse no filme, estava cuidando de Zeta Jones, cuidados plenamente justificáveis.

Nas ruas cruza-se e é possível parar ao lado de bólidos como McLaren Mercedes, Ferrari, Porsche, Maserati, Rolls Royce, Lamborghini, Jaguar, dirigidos sem culpa nenhuma e por gente que só quer ser feliz, e parecem ser mesmo.

A opulência é tanta que a renda per capita ali beira os US$ 140 mil por ano, um exagero para os padrões americanos. Há vilas e condomínios lindíssimos. O café da manhã dominical foi tomado num casino – muito bom por sinal, numa mesa farta e variada, o que justifica a fama de que na Califórnia tudo é superlativo. A Califórnia fala inglês e espanhol – não necessariamente nesta ordem – e a influência espanhola está em todos os lugares, a começar pelo nome das cidades. Los Angeles, San Bernardino, San Diego, Santa Ana, San Francisco, Santa Barbara, Santa Monica, e, chega de santos, pois a relação é imensa.

Voltando ao café da manhã, era possível encontrar em muitas mesas turistas japoneses, coreanos e filipinos recuperando as forças para apostar mais ainda. Na Califórnia, como em todos os Estados Unidos os cassinos ficam em reservas indígenas, que arrecadam milhões de dólares por ano. Os caciques de verdade andam em picapes que custam verdadeiras fortunas e alguns têm até avião, sem contar aqueles que se formam nas melhores universidades americanas.

Ao pegar a estrada noto que não há Chips em lugar algum, por mais que eu procure. Procuro também por Frank Poncherello e John Baker, patrulheiros cujos papéis eram de Eric Estrada e Larry Wilcox. Nem sinal deles, Já Eric Estrada podia ser encontrado na Flórida, onde vendia terrenos, casas e uma série de vantagens. Ia esquecendo que Chips é California Higway Patrol, que foi imortalizada num seriado que teve 139 episódios e passou durante anos no Brasil, marcando a vida de muita gente que hoje é adulta.

Viagem 9
Arizona, carros velhos e gente sonolenta

A estrada interminável foi sendo superada aos poucos. A infra-estrutura é muito boa e sempre há bons postos de gasolina – mais barata que na região de Boston, hotéis, restaurantes – sempre há uma loja de fast food – para matar a fome, e a medida em que se vai avançando o preços vão subindo assustadoramente. No Arizona e New Mexico, a impressão que se tem é a de que a maioria dos carros velhos dos Estados Unidos estão lá, assim como as paisagens – parece que literalmente o último filme de Hollywood foi filmado naqueles lugares e os cenários ficaram lá.

A presença indígena é marcante e é comum ser atendido nos hotéis, bares, restaurantes e postos de gasolina por legítimos índios.

Passa-se por cidades muito bonitas e por outras que são caóticas como Albuquerque em New Mexico – há quem diga que é um verdadeiro buraco, e parece ser mesmo. Faltou tempo para ir visitar a Petrified Forest National Park, a Meteor Crater e o Grand Canyon. Uma pena.

Ao entrar no Texas uma desagradável surpresa – uma multa por estar algumas milhas acima do limite, e sem apelação. Duro mesmo foi entender o que dizia o policial texano, a partir daí acabou-se o sossego, pois era um olho no velocímetro e outro na viaturas policiais todas devidamente escondidas e prontas para reprimir qualquer engraçadinho, e o que não faltava era engraçadinho sendo autuado.

Viagem 3
Gateway Arch, porta de entrada para o – velho e o novo – Oeste

Em Saint Louis no Missouri, uma das mais bonitas cidades do caminho. Um arco – Gateway Arch – um imenso monumento de aço e concreto com altura equivalente a um prédio de 65 andares, e que marca a entrada do Oeste americano. De Saint Louis partiram muitas caravanas de pioneiros que desbravaram o Oeste, tal como vemos nos filmes de faroeste. O Gateway Arch – dá as boas vindas a quem chega e homenageia quem parte, principalmente quem vai rumo ao desconhecido. Significa também a junção do velho com o novo, do antigo e do moderno e do conhecido com o desconhecido.

São lindas fazendas e paisagens que parecem ter sido desenhadas por um artista e colocadas na terra para ornamentar e embelezar. O outono deixa ainda mais bonito tudo com as folhas ora vermelhas, ora amarelas, mas o clima ainda não é ainda de outono.

Viagem 4
A lendária e mística Route 66 com seus encantos e mistérios que a tornam o caminho obrigatório de aventureiros

Anda-se já pela 90 que vem até Massachusetts. Interessante é notar que a lendária Route 66 cruza e parece se interligar com este caminho tempo todo. Para quem não sabe a Route 66 foi cenário de Easy Rider – Sem Destino, o famoso filme estrelado por Peter Fonda e e Dennis Hoper, dois motoqueiros muito loucos e drogados, que desafiaram todos os perigos da estrada em busca de uma partida de droga. Tudo na região é voltado para a mística 66. Na entrada de Illinois uma placa indica que é possível ir a Milwaukee no Wisconsin – Land of the Harley-Davidson. Quem nunca pensou em ter uma?

Convive-se com a história o tempo todo e lamento não ter tempo para explorar cada um destes pontos, pois faria da viagem uma oportunidade mais inesquecível ainda. Enquanto isto na estrada gigantescos caminhões transportam o progresso o tempo todo. E o meu destino está cada vez mais próximo, embora faltem ainda muitas milhas.

Logo estamos em Ohio, e Cleveland me faz lembrar de que ali é o lugar onde mais se fazem cirurgias cardíacas no mundo todo, espero que nunca precisemos ir lá um dia, a não ser, claro para passear e ir embora rapidinho. Vai que alguma válvula falhe.., é melhor não abusar.

Finalmente o último dia da viagem e chegamos à Pennsylvania e suas paragens cada vez mais belas e que inspiraram e inspiram muitos apaixonados. Vale a pena ir lá um dia, principalmente no outono. Entramos aí na região vinícola, que dizem ter os melhores vinhos do lugar, a região dos vinhos termina em New York State, e seus pedágios caríssimos. Um horror. Aí estamos perto do Canadá e o trânsito – embora estejamos a quase 500 milhas de New York City, é um horror. Na hora que o cansaço bate uma parada estratégica para esticar as pernas, reabastecer, comer e pegar a 90 de novo.

A conclusão é a de que os Estados Unidos é lindo. Lindo mesmo. Agora só falta ir ao estado de Washington e descer de carro rumo ao Idaho, Montana, Utah, Colorado, Wyoming e desta vez ir na Petrified Forest. Mas isto é assunto para outra viagem.

Viagem 5
Navajo Talkers, heróis da II Guerra Mundial

Já ia esquecendo do Navajo Talkers. Na Segunda Guerra, um estrategista militar dos Estados Unidos sugeriu uma brigada de comunicadores indígenas que falariam no seu idioma e com isto enganar os inimigos que interceptavam as comunicações. Bem, se você quiser saber mais assista o filme que é uma lição de coragem e destemor. Logo que dê uma folga eu vou assistir de novo, principalmente depois que estive em Gallup no New Mexico de onde saíram alguns do pelotão, que é o maior orgulho do lugar.

Finalmente em Connecticut e logo a tão sonhada e almejada placa – Massachusetts Welcomes You…

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Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros