Imigração: ‘Para me livrar do estupro disse que era soropositiva’

0
1235

Nara deu o seu depoimento com a condição de anonimato e relata o seu drama quando resolveu vir para os Estados Unidos em 2004. Na travessia presenciou mulheres sendo violentadas, espancadas e os homens ameaçados. Dois meses depois deste depoimento Nara recebeu o perdão, conseguiu o seu green card e se prepara para ir ao Brasil no final do ano com sua família.

Imigração 6
Tipo de abrigo onde imigrantes aguardam para atravessar a fronteira e são nestes locais que muitos sofrem todo tipo de abuso e violência. Imagens meramente ilustrativas

Sai do Brasil em setembro de 2004 para tentar a vida aqui nos Estados Unidos depois de ter perdido meus pais num acidente de carro. Tenho uma irmã com quem jamais tive afinidade alguma e decidi que era hora de mudar de vida. Tinha uns amigos que vieram para cá e sempre me diziam que a vida era corrida, mas que trabalhando com dedicação poderia alcançar tudo aquilo que desejava. Tive o visto negado duas vezes e um ex-namorado meu lá em Criciúma me falou da alternativa de vir pelo México e que me custaria US$ 15 mil, dinheiro que não tinha disponível naquele momento. Tive que esperar um tempo para resolver as questões de inventário e de herança e decidi embarcar na aventura de vir para a América através da fronteira mexicana. Tomei a decisão de vir por não ter nenhum vínculo com o Brasil mas se soubesse o que teria de enfrentar e passar jamais me arriscaria. Chegar ao México foi a parte mais fácil da viagem e depois de uma semana de espera em Tijuana chegou a hora de tentar a travessia que não foi possível naquela oportunidade. Dali fomos levados para uma outra casa onde estavam umas 20 pessoas entre elas mulheres da Guatemala, El Salvador, Equador e duas brasileiras de Minas Gerais. Nesta casa que era isolada haviam três homens armados que vigiavam a casa o tempo todo e na segunda noite uma das mulheres começou a gritar e quando fomos ver ela estava sendo violentada por um dos homens e os outros dois riam o tempo todo. Depois foi outra e mais outra e os homens do grupo não podiam fazer nada pois foram ameaçados pelos três mexicanos. Foram horas de horror e pânico e a noite parecia não ter fim. No dia seguinte as coisas se repetiram e pelos dias seguintes. Uma das brasileiras disse que estava grávida e eles não mexeram com ela. Quando um deles me arrastou para o cômodo onde violentavam as mulheres eu disse para ela que era aidética e que se ele me violentasse corria o risco de contrair AIDS. Sempre fui alérgica e naqueles dias por causa da comida apimentada eu estava atacada e mostrei para ele que acreditou e durante aquele pesadelo fui poupada da violência sexual. Depois de atravessar a fronteira e me estabelecer tive pesadelos por anos seguidos e ficava pensando naquelas mulheres que foram violentadas e abusadas por eles. Nunca mais as vi e tive que fazer análise para me livrar do complexo de culpa que carreguei. Não achava justo comigo ter usado de um subterfúgio para me livrar daquela violência, mas o que eu podia fazer? Hoje estou resolvida e reconstruí a minha vida me casando e tendo filhos e na comunidade que freqüento me dedico a fazer um trabalho voluntário com mulheres que foram vítimas de algum tipo de abuso, pois foi a maneira que encontrei de me livrar de qualquer culpa. Meu marido tornou-se cidadão americano há pouco mais de um ano e recentemente entrei com o meu processo para ter o Green card e devo me beneficiar da mudança na lei que diz que posso pedir o perdão aqui nos Estados Unidos. Estou muito otimista de que vou conseguir e tenho fé e confiança em Deus que tudo vai dar certo. Uma vez me perguntaram se eu viria para cá da forma que vim. Respondi que não, jamais faria de novo. O que quero agora? Restaurar a amizade com minha irmã, mas isto vou fazer pessoalmente quando for ao Brasil com minha família...”.
Depoimento de Nara, catarinense de Criciúma que chegou nos EUA em 2004.

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros