Nara deu o seu depoimento com a condição de anonimato e relata o seu drama quando resolveu vir para os Estados Unidos em 2004. Na travessia presenciou mulheres sendo violentadas, espancadas e os homens ameaçados. Dois meses depois deste depoimento Nara recebeu o perdão, conseguiu o seu green card e se prepara para ir ao Brasil no final do ano com sua família.
“Sai do Brasil em setembro de 2004 para tentar a vida aqui nos Estados Unidos depois de ter perdido meus pais num acidente de carro. Tenho uma irmã com quem jamais tive afinidade alguma e decidi que era hora de mudar de vida. Tinha uns amigos que vieram para cá e sempre me diziam que a vida era corrida, mas que trabalhando com dedicação poderia alcançar tudo aquilo que desejava. Tive o visto negado duas vezes e um ex-namorado meu lá em Criciúma me falou da alternativa de vir pelo México e que me custaria US$ 15 mil, dinheiro que não tinha disponível naquele momento. Tive que esperar um tempo para resolver as questões de inventário e de herança e decidi embarcar na aventura de vir para a América através da fronteira mexicana. Tomei a decisão de vir por não ter nenhum vínculo com o Brasil mas se soubesse o que teria de enfrentar e passar jamais me arriscaria. Chegar ao México foi a parte mais fácil da viagem e depois de uma semana de espera em Tijuana chegou a hora de tentar a travessia que não foi possível naquela oportunidade. Dali fomos levados para uma outra casa onde estavam umas 20 pessoas entre elas mulheres da Guatemala, El Salvador, Equador e duas brasileiras de Minas Gerais. Nesta casa que era isolada haviam três homens armados que vigiavam a casa o tempo todo e na segunda noite uma das mulheres começou a gritar e quando fomos ver ela estava sendo violentada por um dos homens e os outros dois riam o tempo todo. Depois foi outra e mais outra e os homens do grupo não podiam fazer nada pois foram ameaçados pelos três mexicanos. Foram horas de horror e pânico e a noite parecia não ter fim. No dia seguinte as coisas se repetiram e pelos dias seguintes. Uma das brasileiras disse que estava grávida e eles não mexeram com ela. Quando um deles me arrastou para o cômodo onde violentavam as mulheres eu disse para ela que era aidética e que se ele me violentasse corria o risco de contrair AIDS. Sempre fui alérgica e naqueles dias por causa da comida apimentada eu estava atacada e mostrei para ele que acreditou e durante aquele pesadelo fui poupada da violência sexual. Depois de atravessar a fronteira e me estabelecer tive pesadelos por anos seguidos e ficava pensando naquelas mulheres que foram violentadas e abusadas por eles. Nunca mais as vi e tive que fazer análise para me livrar do complexo de culpa que carreguei. Não achava justo comigo ter usado de um subterfúgio para me livrar daquela violência, mas o que eu podia fazer? Hoje estou resolvida e reconstruí a minha vida me casando e tendo filhos e na comunidade que freqüento me dedico a fazer um trabalho voluntário com mulheres que foram vítimas de algum tipo de abuso, pois foi a maneira que encontrei de me livrar de qualquer culpa. Meu marido tornou-se cidadão americano há pouco mais de um ano e recentemente entrei com o meu processo para ter o Green card e devo me beneficiar da mudança na lei que diz que posso pedir o perdão aqui nos Estados Unidos. Estou muito otimista de que vou conseguir e tenho fé e confiança em Deus que tudo vai dar certo. Uma vez me perguntaram se eu viria para cá da forma que vim. Respondi que não, jamais faria de novo. O que quero agora? Restaurar a amizade com minha irmã, mas isto vou fazer pessoalmente quando for ao Brasil com minha família...”.
Depoimento de Nara, catarinense de Criciúma que chegou nos EUA em 2004.