Especial imigração: a mortal travessia pela fronteira

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Em 2013, o Jornal dos Sports publicou uma série de reportagens contando as histórias de pessoas que estão ou um dia estiveram nos Estados Unidos e que de alguma forma foram afetados pela falta de uma política coerente de imigração. Os nomes foram todos omitidos e alterados para a preservação da identidade. O depoimento abaixo é de Maria Aparecida que mora numa cidade do South Shore, região ao Sul de Boston. Maria casou-se com Ira, um americano do Maine e atualmente está a espera do seu green card.

Imigração 2
Imigrantes de todas as nacionalidades se arriscam na perigosa travessia em busca de uma vida melhor e mais digna

 

Tinha tudo para desistir, mas continuei’
“Depois que minha filha mais nova se casou, decidi que era hora de mudar de vida e atender ao convite das minhas amigas que moravam em Massachusetts. Tentei o visto três vezes e negaram direto. Então resolvi arriscar e vir pela fronteira e se imaginasse como seria, jamais teria embarcado naquela aventura que quase me custou a vida. Lá em Valadares ajustei tudo e com a venda de um carro paguei metade e quando chegasse nos Estados Unidos pagaria a outra metade e uma das minhas amigas ficaria encarregada do pagamento já que enviei para ela o dinheiro. Quando desembarquei no México começaram os problemas e levamos quase duas semanas para atravessar a fronteira. Um dia os guias nos levaram e andamos a esmo pelo deserto durante dias sem descanso ou então dormindo pouco. Na realidade não sei ao certo quanto tempo levou a travessia, mas nas noites dava para ouvir o uivo dos coiotes. No grupo tinha de tudo e gente de um monte de países e lembro de uma mãe com uma criança pequena que nos revezávamos para carregar. Uma noite um rapaz pisou numa cobra e foi picado. Os gritos dele eram assustadores e um dos guias disse que ia deixar ele lá porque não dava para levar. Durante alguns meses eu ouvia na minha mente os gritos dele. Lembro que uma vez ao anoitecer passamos por um lugar onde havia um terrível mau cheiro e um dos rapazes disse que devia ser do corpo de alguém que havia morrido por ali e que os coiotes iriam tratar de comer. Uma noite senti uma picada e como sou alérgica tive febre alta e quando acordei estava num hospital no Texas e lá durante dias passei mal sem saber direito o que tinha, até que uma enfermeira me disse que eu havia tido uma reação alérgica muito forte. Uma semana depois cheguei em Boston e minha amiga pagou ao intermediário o valor combinado. Dias depois um outro homem queria mais dinheiro pois segundo ele o combinado era outro valor e durante meses aquele homem me ameaçou até que um dia a patroa da minha amiga soube da história e chamou a polícia para ele. Mesmo assim, eu recebia ameaças e mais ameaças até que pensei em desistir, o que não fiz porque sabia que Deus ia me abençoar nesta terra. Um dia soube que o homem que me perseguia havia sofrido um acidente e depois tinha sido deportado e a única coisa que sei é que paguei muito mais do que havia combinado e o fiz por medo dele. Hoje, espero que tudo saia bem e que a nossa agonia acabe em breve. Todos os anos minhas filhas vem me visitar e no ano passado as minhas netas mais velhas ficaram comigo nas ferias escolares delas e não vejo a hora de ter a minha liberdade nas mãos para poder ir e vir”.

Atualização: Maria recebeu o seu green card e já foi ao Brasil três vezes desde então

 

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros