Infância virtual

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Os tempos, definitivamente, são outros. Possivelmente os pais que lerem esta matéria vão se lembrar dos velhos e deliciosos brinquedos da sua infância; brinquedos que, para os seus filhos, não passam de coisa de velhos e de um tempo estranho e sem nexo para eles.

Basta ir a qualquer loja ou magazine que vende brinquedos, para ver que eles os transformaram em rudimentares peças de museu, aquilo com que se brincava no passado.

Qual foi o garoto do passado que nunca brincou de colocar rodinhas numa lata vazia ou de empurrar um velho pneu por horas a fio sem se cansar? Ou ainda, fazer um guia de arame, para uma roda qualquer, e dirigi-la pelas ruas empoeiradas do bairro por dias seguidos? E as meninas, com suas bonecas e comidinhas, brincando de casinha? Jogos de queimada, pega-pega, esconde-esconde. E aqueles que podiam e tinham condições de brincar em  alguma lagoa ou rio?

As bolas eram feitas de meia e jogava-se descalço, e os tampos dos dedos eram, vez por outra, deixados nas ruas e nos campos esburacados, sem contar os ralados, que eram devidamente escondidos da mãe para não levar um pito. Hoje, as bonecas falam, tem coleção de roupas e até maquiagem; outras pedem para trocar as fraldas e dormem quando deitadas. Os carrinhos têm controle remoto; entretanto, no passado eram puxados por barbantes que, quando encardidos e gastos, eram prontamente trocados por um barbante novo. Brinquedos improvisados fizeram parte de muitas infâncias e histórias de vida. E os vídeogames? Têm uns que até falam e são tão bonitos que se parecem mais com equipamentos galácticos.

Os meninos e meninas de hoje estão tão absorvidos pela tecnologia moderna, que não se dão conta de que a revolução tecnológica, das quais seus pais sequer sonhavam, hoje é uma realidade cada vez mais onipresente. Eles estão virtualmente plugados no que acontece num mundo cada vez mais cibernético e computadorizado.

É grande o número de crianças que aprendem a manusear computadores antes mesmo de se alfabetizarem, e tornam-se dependentes da informática full-time. O raciocínio de qualquer criança é desenvolvido nos jogos de estratégia e, em alguns casos, com conteúdo violento, agressivo ou até mesmo aqueles que tem conteúdo inadequado para as idades deles.

Pesquisadores afirmam que o Q.I. – método que mede o raciocínio lingüístico, matemático e lógico, vem aumentando em média 20 pontos por geração. Um estudo da Universidade de Cornell mostra que os jovens modernos alcançam até 25 pontos a mais que seus avós.
O cérebro das crianças, adolescentes e jovens é cada vez mais exposto a um mundo visual, tecnológico e, ao mesmo tempo, estimulado de um modo jamais visto na história da humanidade. A informação em excesso tem sido causa de preocupação de médicos e cientistas que não conseguem visualizar os perigos recorrentes dela.

A excessiva exposição à tecnologia tem produzido uma geração dispersiva, quase que lunática, que não tem a capacidade de reflexão e nem muito menos crítica, ou seja, possui uma grande habilidade com computadores, mas não consegue assimilar coisas simples e reter conhecimento prático.

Muitos pais exigem dos seus filhos algo que eles não estão preparados, provocando neles a chamada síndrome do apressamento infantil, que gera angústia, pânico e medo, pois pensam que devem saber mais, muito mais.

A internet tem contribuído para este quadro. Ao clicar em qualquer site e navegar por um mês inteiro, a criança tem acesso a mais informação do que seus avós tiveram a vida toda. Dados divulgados anos atrás deu conta de que uma única edição do jornal The New York Times, tem mais informação do que um homem de 60 anos podia assimilar, a 60 anos atrás. Isso contando somente um veículo jornalístico.

Crianças que passam horas conectadas à internet ou plugadas em jogos de vídeogames é fato, cada vez mais corriqueiro, presente em muitos lares. A inteligência de nossos filhos permite que eles façam, por exemplo, páginas na internet para nosso espanto e às vezes orgulho, e por conta disso muitos pais não reprimem ou sequer vigiam o que os seus filhos lêem, ouvem e praticam.

Hoje temos uma geração de filhos órfãos de pais vivos. Os tempos mudaram e muitas mulheres trabalham arduamente para ajudar a manter suas casas e, sobretudo, para terem um padrão melhor de vida; conseqüentemente, na maioria das vezes, os filhos ficam sozinhos ou ainda sob cuidados de uma babá – e, convenhamos, uma babá não tem a responsabilidade de educar. Alguns sequer tiveram alguém para acompanhá-los, a partir da década de 70. Foram criados, sob os auspícios da televisão, numa atitude passiva e nada interativa.

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A infância torna-se cada vez mais eletrônica e informatizada. Fotos meramente ilustrativas

Pouca coisa mudou. Os filhos passam boa parte do tempo sozinhos, sem a presença de adultos. A grande diferença é que o computador e o mundo virtual é muito mais interessante do que a televisão. A internet, no centro do mundo desta geração, passou a ser interativa e nada solitária. Pode-se jogar virtualmente com alguém conectado do outro lado do mundo ou mesmo trocar idéias com a namorada via e-mail, bater papo ou comunicar-se através dispositivos.

Em qualquer porta de escola é possível observar crianças com smart phones e tablets – quase todos eles conectados à internet. Alguns pais afirmam que isto é necessário para que eles controlem seus filhos à distância e para saberem o que eles estão fazendo, sem se darem conta de que estão impondo um novo e definitivo padrão de comportamento.

Meninos que deviam estar brincando, estão na realidade queimando etapas importantes da vida. Meninas que não toleram bonecas, como Jéssica, de 11 anos, que só tem em casa brinquedos tecnológicos, pois não tolera brinquedos inanimados.

No campo dos tablets é impossível ficar indiferente ao novo método imposto por este tipo de equipamento, especialmente o iPad. Crianças a partir de meses de idade passam a ter contato com um tablet quando para ficar quietas é colocada para elas as músicas da Galinha Pintadinha em se tratando de crianças de ascendência brasileira.

O interessante é que elas ficam vidradas e muitas delas aos dois anos já sabem como escolher o que querem assistir e ver nos tablets. Especialistas em comportamento afirmam que estas crianças tendem a ser individualistas pois não interagem com outras das suas respectivas idades.

Aos sete anos a criança vai estar preparada para desafios maiores, como manusear outros equipamentos. Ao longo dos anos foram surgindo, dentro de casa, aparelhos como televisores com controle remoto de última geração, alguns com até 100 operações diferentes. E quem destrincha o uso adequado dos aparelhos? Os filhos, logicamente.

Esta realidade pode ser vista em muitos lares, porque os filhos já nasceram com computadores e outras tecnologias dentro de casa, com pais trabalhando fora e sem espaço para irem às ruas brincar, como fizeram seus parentes, restou então estar diante do desconhecido, que se descortinou diante de mentes ávidas por novas descobertas. A conseqüência é crianças cada vez mais inteligentes e articuladas e ao mesmo tempo vaidosas, consumistas e folgadas, sem contar que estão voltadas para vaidade pessoal no vestir e no padrão de beleza.

Antigamente os pais se surpreendiam com o comportamento dos seus filhos quando estes entravam na adolescência – quem nunca teve um filho com a chamada crise de adolescência? Hoje se espantam cada vez mais com a esperteza e destreza dos seus filhos.
Ao mergulhar cada vez mais num mundo cibernético e virtual, a criança vai ter diante de si informações que ela não está preparada para assimilar.

Ao se deparar com uma quantidade de conhecimento antecipada à sua idade física, mental e emocional, a criança tende a tornar-se intolerante, arrogante e desrespeitosa. Vai querer realizar seus desejos e vontades a qualquer preço na vida real. A criança precisa saber que limites devem ser respeitados.

Terapeutas têm recomendado que as atividades lúdicas devem ser retomadas para que as crianças trilhem os caminhos normais de infância, adolescência e juventude, e que as novas tecnologias devem ser, aos poucos, introduzidas nas suas vidas, respeitando cada etapa do viver, mas nas grandes cidades e suas periferias isto parece cada vez mais distante e inatingível, pois o caminho tecnológico é sem volta.

As crianças hoje, precocemente, estão melhor informadas sobre tantos assuntos que sequer podemos imaginar. A precocidade e a ousadia de alguns certamente trarão problemas de personalidade e de caráter no futuro, pois etapas importantes da vida terão sido queimadas ou puladas, trazendo sobre eles responsabilidades, para as quais eles não estão devidamente preparados. Certamente sofrerão as conseqüências no futuro.
Pode ser que muitas destas crianças sofram para manipular réguas, tesouras, cola e papel, mas são imbatíveis clicando em tablets de última geração.

 

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros