Entrevista: Caio Fábio

0
1891

Há alguns anos entrevistei uma série de personalidades para a Refletir Magazine, onde fui editor por três anos, e o Caio Fábio foi uma delas que mais me honrou fazer. Como este material está guardado, resolvi publicá-las aos poucos e dividir com os leitores. A entrevista foi publicada originalmente no www.refletir.com.

Caio Fábio
Às vésperas dos 50 anos, num passado recente, o nome mais importante da igreja evangélica brasileira vive um período de reflexão e de encontro consigo mesmo, depois de enfrentar problemas pessoais que o levaram para um auto-isolamento. Ao lançar seu portal de artigos e textos na internet, que teve quase dois milhões de acessos em pouco mais de oito meses, Caio Fábio teve consciência da sua importância para com o público que o admira, que orou e que esperou pela sua volta à ativa. Nesta entrevista exclusiva para Refletir Magazine, Caio Fábio não deixou nenhuma pergunta sem resposta e com a inteligência que lhe marca a personalidade, criticou o verdadeiro mercado que toma conta de muitos segmentos da igreja brasileira. Confira a entrevista.

Refletir – O que o senhor tem feito hoje, qual é a sua rotina e onde tem exercido o pastorado?

Caio Fábio – Depois de 1998, que foi o pior ano da minha existência, onde tudo aconteceu comigo, onde eu senti a dor da perda, angústia, depressão, e resolvi, por três anos, cuidar de mim, da minha saúde; tirar um tempo para a minha família, ficar quietinho, em absoluto silêncio. Todas as minhas rotinas eram voltadas para mim mesmo. Por natureza, todas as vezes que estou deprimido, rocuro estar em contato com a natureza – deve ser coisa de amazonense -, pois depressão não me põe no quarto, me põe descalço, querendo tomar banho; e foi o que eu fiz. Fui para minha terra ficar com meu pai, que é o meu melhor amigo, onde encontro ressonância espiritual e ressalto a relação pai e filho.

Refletir – E quando surgiu a hora de voltar?

Caio Fábio – De dois anos para cá, vi que era hora de fazer alguma coisa, e eu não queria me envolver com nada muito grande. A editora Razão Cultural, que lançou o livro que escrevi em 1999, me ofereceu um espaço para que eu fizesse reuniões em Copacabana, e insistiu para que eu fosse para lá. Foi montado uma livraria, um espaço cultural, e eu não queria algo que desse a conotação de igreja, mas não adiantou: nasceu espontaneamente. O povo começou a me amar, a demonstrar carinho, e aí surgiu o Café com Graça. E logo começaram aparecer convites para viajar. Pelo menos uma vez por mês eu viajo com minha esposa para falar em algum lugar.

Refletir – Este período de reclusão e isolamento foi um ajuste de contas com senhor mesmo?

Caio Fábio – Nem sei se foi um ajuste de contas, pois em determinado momento você fica tão bombardeado que nem tem tempo para sentir as dores. Parecia que estava jogando uma pelada, me rasgando todo, machucando os dedos, caindo, mas só vai sentir os efeitos na hora de tomar banho. Ai é que vai doer tudo, principalmente quando se deita na cama e não se consegue levantar no dia seguinte. Foi um corredor polonês tão intenso que eu nem tive tempo para sentir as dores, e você vai sobreviver as pancadas, e depois disto vai entrar num processo de verificar onde está doendo, e tem todas as outras coisas relacionadas. Eu busquei tratar de mim, com plena consciência daquilo que tinha feito, sem nunca carregar o peso do mundo nas minhas costas, que nunca foi minha vocação. O meu acerto com Deus não foi um processo muito longo. Elevação e derrocada acontece quando você anda na presença Dele, eu nunca estive fora da presença de Deus, mesmo no pior momento.

Refletir – Que lições o senhor tirou disso tudo?

Caio Fábio – Todo esse processo serviu para me mostrar quem de fato era meu amigo, ou quem somente estava interessado em tirar proveito. Houve um processo de reacomodação da vida muito sério e profundo, praticamente foi como você levantar da morte e ter assistido ao seu funeral, tendo visto quem chorou ou não, quem se alegrou, quem comemorou, quem disse – ai, meu Deus, por que isto aconteceu com ele? Voltei à vida sabendo exatamente o que fazer: agradecer quem sofreu comigo, identificar quem foi grosseiro, quem se aproveitou da situação e acolher aqueles que se afastaram por covardia, por medo ou por motivos diversos, e que pediram desculpas.

Refletir – As pessoas que lhe atacaram foram de dentro ou de fora da igreja? A causa dos ataques foi o Dossiê Cayman?

Caio Fábio – São duas coisas diferentes. A igreja não ficou nem aí para a história do Dossiê Cayman. Só se escandalizou com a minha separação e o meu divórcio, e de eu ter assumido o relacionamento que foi o pivô da minha separação. As pessoas estavam muito longe. Eu nunca tive uma vida conjugal ruim, eu só não tinha uma vida conjugal; eu criei a minha esposa. Ela era uma menina de dezesseis anos que chegou na minha vida no momento da minha conversão. Eu nunca senti nada a não ser um amor fraternal e carinho. Ela foi a primeira pessoa de quem falei do amor de Jesus, que evangelizei, que levei a Cristo. Não há culpados nesta história.

Refletir – Não havia afetividade então?

Caio Fábio – No nível conjugal não, só fraterno. Eu sempre fui o pai dela. Tivemos quatro filhos juntos e ela nunca se iludiu em saber que tinha de mim respeito, amizade, carinho, consideração, proteção. E este foi um assunto conversado por nós durante os quase vinte e cinco anos de casamento. Não era possível, eu que sempre fiz tudo com paixão, não sentir o mesmo conjugalmente.

Refletir – Foi consciente tanto da tua parte, como da parte dela?

Caio Fábio – Da minha sim, e da dela também, que já tinha consciência antes de casar, mas quis casar assim mesmo e me pediu perdão muitas vezes por ter forçado a barra, mesmo sabendo que eu não a amava como mulher, embora a amasse em outras áreas. Houve alguns indivíduos extremamente oportunistas que entraram na história para poder criar situações que não existiam, exacerbações, tentaram demonizar a situação inteira, e o abalo foi exatamente proporcional ao significado, eu diria místico que a minha existência tinha na cabeça de milhões, foi isto que afetou a cabeça dos evangélicos. Foi como assistir a queda de alguma coisa que as pessoas tinham como inextinguível. Tudo isto fantasia e projeção na cabeça das pessoas, porque eu tenho 113 livros testemunhando a afirmação da minha humanidade o tempo todo. Só não leu quem não quis. Nunca enganei ninguém, é só ler os meus livros. Meus temas no meio evangélicos foram chamando para a humanidade e fugindo da falsa espiritualidade.

Refletir – E na sociedade?

Caio Fábio – Eu já não era uma pessoa com relacionamentos somente no nosso meio, mas com credibilidade para a sociedade. Para estes o divórcio não significou absolutamente nada. O que os tocou foi à história do Dossiê Cayman, por que eu tinha tido uma vida ilibada e irrepreensível, sempre optando pelas coisas e pelas causas justas, e não entendiam como uma pessoa com a minha consciência estava fazendo parte de uma coisa tão nebulosa como aquela. Foi o prejuízo para o lado de fora. Na igreja muito pouca gente deu atenção para o Dossiê Cayman.

Refletir – O senhor, como um homem respeitado e admirado tanto no mundo evangélico quanto no secular, não foi ingênuo em entrar nesta barca do Dossiê Caymam?

Caio Fábio – Foi total. Eu nunca quis entrar nesta história, e eu não posso citar os nomes das pessoas porque iria ser um estrago.

Refletir – Então, o senhor foi usado?

Caio Fábio – Eu não diria que fui usado, pois não sou uma pessoa para me eximir de responsabilidades neste nível. Eu poderia ter dito: olha, não participo, não quero, não sei, não estou querendo ajudar em nada; e foi isto o que eu disse muitas vezes, que não queria e que me deixassem fora, eu tenho isto documentado e gravado. Figuras públicas eminentes, a maior parte delas ligadas à esquerda, e que não souberam nada pela minha boca. Foi uma outra pessoa que contou para um amigo meu; figura importante no mundo político e ele veio ao meu escritório me cobrando, dizendo que eu sabia do caso a quase um ano e que não havia dito nada. Eu falei para ele que o meu negócio é pregar o Evangelho e que este não é o meu business. Eu não tenho nada a ver com isto. Não quero participar disto. Daí outras pessoas, inclusive uma relacionada ao meio evangélico, foram se unindo e formaram um bloco de mais ou menos seis pessoas, que me ligaram todos os dias quatro, cinco, seis vezes, durante seis meses. É fácil aparecer às evidências disto, é só pegar os telefones celulares deles e ver quantas vezes cada um deles me ligavam. Aquelas ligações eram incomuns, pois antes a gente se falava a cada quinze dias.

Refletir – Tudo gente da esquerda?

Caio Fábio – Da esquerda, e um ou dois evangélicos. Implorando, chorando e me dizendo – salva a gente. Eu não vou me eximir de responsabilidade, eu devia dizer não, que foi o que eu fiz a vida inteira. As pessoas sempre tentaram tirar proveito de mim, e estou habituado a sempre dizer não. Mas a pressão foi muito grande, e junto com o processo da separação, eu estava muito fragilizado, e mesmo não querendo eu cedi. Este é o meu pecado, mesmo não querendo, e não desejando nada disto, sucumbi ao apelo deles pela seguinte via – por favor, ajuda a gente, pois nós vamos ganhar esta eleição de qualquer jeito, e vamos dar amparo para você respirar e refazer sua vida. Não foi sem relutância, eles insistiram muito para aproximá-los das pessoas que tinham a informação. A culpa deles no cartório é imensamente maior do que eles possam admitir. Eu tenho me comportado não por causa deles, mas por causa da minha consciência diante de Deus, por que se eu tivesse falado a respeito do assunto, alguns deles não teriam sido eleitos na eleição passada. Eu não quero nada de ninguém, eu tenho pedido a Deus que me deixem quieto, e não quero nada deles, só quero viver em paz e refazer meu ministério.

Refletir – No seu modo de pensar, a igreja está doente?

Caio Fábio – Profundamente doente. Muito mais doente do que a sociedade que a circunda. A igreja esconde a suas doenças. É muita “paz do Senhor” escondendo a vontade de matar. “Minha irmãzinha amada, se você me desse mole, eu te pegava hoje.” Enquanto a igreja não se enxergar na Graça de Deus, ela vai ficar cada vez mais doente; é um cego guiando outro cego em direção ao abismo.

Refletir – A liderança da igreja hoje é responsável por este quadro de coisas?

Caio Fábio – Totalmente. Assim como é o povo é o sacerdote, ou seja, eu estou falando daqueles que se arrogam deste papel, e como diz Tiago no capítulo 3, sofrerão um juízo muito mais rigoroso. Porque eles é que estão fazendo este carnaval. O que nós temos hoje no Brasil, já não são mais igrejas cristãs. Com algumas exceções, você vê indivíduos cristãos; e esta estrutura que existe é pagã. É macumba sendo feita em nome de Jesus; é umbanda feita em nome de Jesus. A mecânica espiritual que está em processo é a do sacrifício dos ritos pagãos, apenas as nomenclaturas é que servem de uma maneira estelionatária das simbolizações cristãs, mas os conteúdos são pagãos. Só não vê quem não quer. Estas teologias todas da prosperidade que estão por aí, nada mais são do que barganhas com Deus. Faz isto que Deus vai fazer aquilo.

Refletir – Isto mostra que a vinda do Senhor Jesus está próxima?

Caio Fábio – Eu nunca vi um cenário tão parecido, tão apocalíptico, não só na igreja como no mundo, no planeta; é o maior cenário jamais visto na história: da apostasia da igreja às questões do meio ambiente.

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros

Next articleO preço do Voltaren
Jehozadak Pereira
Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros