CARTAS de Boston XIII

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Roma dos romanos

XIII

Numa entrevista para a Telesur, rede de televisão multi-estatal para a América, com sede na Venezuela, o diretor do Centro para a Investigação de Políticas, da Universidade das Nações Unidas, James Cockayne, falou da escravidão moderna nos Estados Unidos.

Alguns assuntos, principalmente aqueles que incomodam alguns setores da sociedade, geralmente são sonegados por aqui.

Tentam passar um verniz de brilho falso sobre superfícies defeituosas.

Procuram vender ao mundo a imagem de uma civilização bem resolvida e desenvolvida.

O que não é verdade.

É o caso especifico das drogas.

Existindo consumidores, existirá fornecedores! 

É a lógica capitalista. Aquela que os incautos falam maravilhas. 

Os Estados Unidos são os maiores consumidores de drogas do mundo. 

Mas os culpados, segundo eles, são os países subdesenvolvidos da América Latina.

Na entrevista, o diretor da ONU disse: “A escravidão moderna refere-se às condições de trabalho desumanas  que milhões de pessoas são expostas: trabalho imposto, servidão sexual, tráfico de pessoas, matrimônio forçado e trabalho infantil. Implica roubar o trabalho de milhões de pessoas para que outros obtenham ganhos, despojar as vítimas de participarem plenamente da vida política e econômica da sociedade”.

O Departamento de Estado dos Estados Unidos, define que tráfico de pessoas, tráfico de seres humanos e escravidão moderna, como termos gerais para se referir aos atos de recrutar, albergar, transportar, fornecer ou obter uma pessoa para obrigá-la a realizar trabalhos forçosos ou atos de comércio sexual, mediante o uso da força, logro ou coação.

O texto do jornalista Raúl Antonio Capote, esmiúça esse tema que incomoda a reaça conservadora.  

Aquela gente “polida”, “bem criada” e “cheirosa”, que vira a cara para as mazelas da sociedade.  

Que tanto aqui quanto no Brasil, não sentem o mínimo constrangimento de viver numa cidade cheia de miseráveis.

Os Estados Unidos têm os piores índices de pobreza dos países desenvolvidos.

Dados do censo levantados pelo Centro de Dados Kids Count aponta que 11% das crianças brancas, 32% das crianças negras e 26% das crianças latinas vivem na pobreza absoluta.

Só na Califórnia, terra do cinema, do glamour, da ostentação, são mais de 130 mil moradores de rua.

Relatório da organização The Council of Economic Advisers divulgado em setembro de 2019, concluiu um levantamento da população homeless (sem teto) do país.

Foram contados 552.830, dos quais 194.467 (35%) eram moradores de rua e 358.363 (65%) viviam em abrigos.

A população sem teto em uma noite, equivale a 0,2% da população do país.

17 pessoas de cada 10 mil habitantes.

Em Boston, são 102 moradores de rua por 10 mil habitantes.

Esse é o sistema econômico que deu certo! 

Mais um detalhe dessa brutal desigualdade:

A Fundação Cosac revelou que um terço dos “sem teto” é constituída por veteranos de guerra.

Aqueles que o país adora chamar de “heróis”.    

Hoje são mais de 40 milhões de estadunidenses vivendo abaixo da linha de pobreza. 

Além de ser o país com o maior número de casos de covid-19 no mundo – o Brasil é o segundo –, os EUA enfrentam agora um dos piores níveis de desemprego desde a Grande Depressão de 1930.

Com essa pandemia não é difícil imaginar como anda esse quadro hoje!

A realidade dos nossos parentes e amigos não é tão diferente. 

O Brasil é uma das 15 maiores economias do mundo. Ponto. 

Ao mesmo tempo, segundo o Relatório de Desenvolvimento da ONU, a segunda pior concentração de renda do planeta.

Segundo a Escola de Economia de Paris, 10% da população do Brasil detém 55% da renda (conjunto de rendimentos).

O problema não reside aí. O problema está no 1% dos 10% que fica com 28,3% dos 55%. Ou seja, fica com mais da metade.

O Brasil só perde para o Catar, onde a concentração de renda é 29%.

Já o 50% mais pobre fica com 13,9%, algo em torno de 70 milhões de adultos.

No último ranking da revista Forbes, há 45 bilionários no Brasil. 

Enquanto isso, a metade mais pobre dos brasileiros, em torno de 104 milhões de pessoas, vivia em 2018 com 413 reais de renda mensal.

Esse é o tamanho do abismo da desigualdade brasileira.

Não há futuro para uma nação com números tão vexatórios!

Para os brasileiros e brasileiras comuns só resta o presente vergonhosamente miserável.

Em termos globais, o número de bilionários é 0,00003% da população. 

Precisamente 2.153 pessoas que concentram 60% mais riqueza material que quase 7,8 bilhões de pessoas da terra.

No planeta tem um bilionário para cada 3,7 milhões de pessoas.

O plano do governo atual não é atacar o bolso dos mais ricos, taxar as grandes fortunas, como pretende o governo argentino.

A ideia é tirar do pobre, dessa parte mais vulnerável da sociedade.

Aquela que sempre paga a conta.

A última novidade: taxar os livros em 12%.

Hoje são mais de 220 mil crianças dormindo pelas ruas das principais cidades brasileiras. 

Um escândalo! Uma vergonha! Uma indecência!

Nos EUA, 28,5 milhões de pessoas carecem de seguro médico; mulheres, ganham em média, 85% do que recebem os homens. 

Um estudo publicado pela Walk Free Foundation (WFF), revela que mais de 400 mil pessoas vivem em condições de escravidão nos Estados Unidos.

É um fenômeno que cresce sem limites, onde o tráfico de pessoas com o objetivo de servidão e exploração sexual, transformou-se num negócio lucrativo para os traficantes.

Para a BBC, a maioria das vítimas de tráfico sexual não são estrangeiras trazidas à força, mas nativas (oito entre dez).  

Muitas delas são escravizadas através das drogas e marcadas com tatuagens, como uma mercadoria que pertence ao seu explorador.

Muitas dessas mulheres são confundidas como trabalhadoras sexuais por vontade própria, o que não é verdade.

Como a comovente história de Shandra Woworuntu, uma indonésia que viajou para os Estados Unidos contratada para trabalhar no ramo hoteleiro e descobriu ao desembarcar que o trabalho era outro. 

Levada por traficantes sob a mira de armas foi forçada a fazer sexo.

Segundo os cafetões, ela devia US$ 30 mil e diminuiria US$ 100 toda vez que fizesse um programa.

Nas semanas e meses seguintes, foi levada a diferentes bordéis, prédios, hotéis e cassinos na costa leste dos Estados Unidos.

Raramente ficava dois dias no mesmo lugar. 

Sempre sob a mira de armas, teve que experimentar bebidas e drogas.

Usou cocaína, metanfetamina e maconha.

Vinte e quatro horas por dia ficava sentada nua com outras mulheres a espera de clientes.

Se não aparecesse ninguém tentava dormir um pouco, nunca numa cama e sempre em alerta.

Era nesses momentos que elas eram estupradas pelos traficantes.

A brutalidade humana nas palavras de Shandra:

“Lembro-me da primeira vez que eu entrei em um quarto de um hotel-cassino. Pensei que poderia escapar, mas meu traficante me esperava no corredor e me conduzia aos quartos seguintes. Quarenta e cinco minutos em cada quarto, noite após noite. Como eu era complacente, não era agredida pelos traficantes, mas os clientes eram muito violentos às vezes. Alguns pareciam ser membros da máfia asiática, outros eram brancos, negros e hispânicos. De todas as idades, idosos a jovens universitários. Era propriedade deles por 45 minutos e tinha que fazer o que queriam, para não ser agredida por eles (ou pelos bandidos). Era uma rotina difícil e dolorosa e estava fraca. Me alimentavam com sopa de arroz com uns poucos pepinos e eu estava drogada. A ameaça constante de violência e a necessidade de estar sempre em alerta também eram muito exaustivas.”

Um dia na frente de um hotel, Shandra aproveitou o descuido de um cafetão e fugiu. Correu como nunca pela liberdade.

Com ajuda da polícia, na mesma semana da fuga, uma operação foi desencadeada pelo FBI.

O resultado foi o resgate de várias garotas no local onde viveu como prisioneira e a prisão de várias pessoas.

Disposta a libertar outras mulheres desse calvário, resolveu ficar e trabalhar nos Estados Unidos.

Em 2015, foi convidada pelo presidente Barack Obama para compor o Conselho Consultivo para o Tráfico de Pessoas dos Estados Unidos. 

Hoje é uma reconhecida ativista pelos movimentos sociais em defesa das mulheres e da família.

Vários casos recentes de alto perfil de tráfico de pessoas e comercialização sexual levantados pela Agência de Notícias Inter Press Service (IPS), apontou alguns casos específicos.

Um deles é do milionário Jeffrey Edward Epstein, amigo de Donald Trump, que enfrentava cargos federais por dirigir uma operação de tráfico sexual de garotas e adolescentes, até cometer “suicídio”, sob a guarda do estado.

Um outro envolveu 16 efetivos do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, que foram presos em 25 de julho, acusados de tráfico de pessoas, tráfico de drogas e transporte ilegal de imigrantes mexicanos.

Em tempo de covid-19, informa a ABC News, traficantes de New York anunciam que as mulheres, muitas delas menores de idade, estão livres do vírus e dispostas a usar máscara e luvas.

O mesmo acontece em outras cidades do país como Jacksonville, Flórida, onde as atividades continuam em alta.

As mulheres exploradas, sem outra opção, são submetidas ao risco de contágio. Ou trabalham ou ficam sem comida e alojamento. 

Na cidade de San Diego, os lucros ilícitos do tráfico sexual, gera até US$ 810 milhões por ano.

Meninas e mulheres representam 99% das vítimas na indústria sexual comercial e 58% em outros setores.

A exploração sexual é a segunda atividade criminosa mais lucrativa depois do tráfico de drogas.

Precisamos reagir diante da maldade humana. Não podemos cruzar os braços e calar diante da iniquidade. 

Como falou o Teólogo, Filósofo, professor e escritor católico Leonardo Boff, “Precisamos alimentar nossa iracúndia, como aquela que Jesus manifestou quando expulsou os vendilhões do Templo”. 

Uma virtude Divina que precisamos alimentar todos os dias em qualquer lugar contra a maldade humana, contra a desigualdade injusta e perversa.

Nietzsche dizia: “O ser humano é humano, mas tem também aquilo que é mais do que humano, a sua maldade.”

Voltarei ao assunto. 

Gerald D

O gremista Gerald D escreve sobre artes, literatura, futebol e política com muita propriedade e consciência, o que reflete o seu gosto apurado pela boa leitura