CARTAS de Boston V

Texto e conteúdo de primeira

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Roma dos romanos

V

Em uma carta enviada de Moscou, no dia 10 de maio de 1886, Aleksander Tchekhov pedia conselhos a Anton Tchekhov sobre como finalizar um livro. 

Anton Pavlovitch Tchekhov, que também era médico, é um dos mais famosos novelistas e dramaturgos russos, considerado um dos grandes escritores da literatura universal e um dos mestres do conto moderno.

Generoso e filantropo, era um homem, ao mesmo tempo, melancólico e pessimista.

Na resposta, revela técnicas que um bom escritor deve saber, além, é claro, do talento natural para escrever.

Escreve ele: “A Cidade do Futuro”, só se tornará uma obra de arte nas seguintes condições: ausência de palavras prolongadas; objetividade total; veracidade nas descrições dos personagens e dos objetivos; brevidade extrema; ousadia e originalidade – fuja dos chavões e, por último, sinceridade.

Nas descrições da natureza, é necessário se apegar a detalhes minúsculos, agrupando-os de tal forma que, após a leitura, quando se fechar os olhos, surja um quadro. 

A natureza surgirá com vida se você não tiver objeção em comparar seus fenômenos com as ações humanas.

Na esfera psicológica, também os detalhes. É melhor evitar a descrição do estado de espírito dos heróis.

Não é necessário sair em busca de muitos personagens. Como centro da gravidade, deve haver duas: ele e ela.

O prestigiado diretor alemão de teatro e ópera, Peter Stein, declarou certa vez, que Anton Tchekhov era uma das três colunas básicas do teatro europeu. As duas outras eram a tragédia grega e Shakespeare.

Contam que depois de pedir uma taça de champanhe, fechou os olhos cansados e morreu. 

Na época existia uma conversa que esta bebida era boa para quem tinha doenças cardíacas. Mas no caso de Anton, seu problema era outro. Ele sofria de tuberculose pulmonar. 

Anton Pavlovitch Tchekhov morreu em julho de 1904, numa clínica de Bedenweiler, Alemanha.

Seu corpo teria sido transportado num veículo de congelados até Moscovo, metido numa caixa onde se lia “ostras”.

No prefácio do livro Contos de Tchekhov, publicado em Portugal e traduzidos diretamente do russo por Nina e Filipe Guerra, Vladimir Nabokov, autor do clássico Lolita, defende que o mundo para Anton “é cômico e triste ao mesmo tempo, e sem repararmos na sua comicidade não compreenderemos a sua tristeza, porque são inseparáveis”.

Texto curto e objetivo, Anton revela em suas obras toda miséria humana. Toda desgraça social da Rússia e do mundo do século XIX que conheceu de perto trabalhando como médico.

Suas linhas são realistas com um humor inteligente e nada crítico. A diferença dele para outros escritores russos é a ausência de traços moralizantes. Quem lê suas histórias tem a liberdade de tirar suas próprias conclusões. 

Seus personagens são pessoas comuns, simples com suas complexidades. Gente como a gente. Sem privilégios, sem títulos de nobreza. Pobres em bens materiais, mas com valores morais e, em certos aspectos, ultrapassados.

Quando leu “O Caçador”, o célebre escritor Dmitri Grigorovich escreveu ao jovem contista, dizendo: você tem um talento que o coloca na linha de frente entre os escritores da nova geração. E não errou.

Aos 27 anos, Anton ganhou o importante Prêmio Púchkin, como o melhor autor russo.

Fora fronteiras ganhou a admiração de gente de peso como James Joyce, Virginia Woolf e George Bernard Shaw. Suas obras em primeiro momento foram encenadas na Europa com grande sucesso de crítica e público.

Nos Estados Unidos sua reputação demorou um pouco mais. Teve grande influência na carreira de roteiristas, diretores e atores e em grupos teatrais como a Actor Studio.

Entre os nomes em que os métodos Anton de linguagem tiveram influência podemos lembrar de Elia Kazan, Lee Strasberg, Marlon Brando e Robert De Niro entre outros.

Em julho próximo será lembrado pela Rússia e pelo mundo os 116 anos de morte de Anton Tchekhov, o maior escritor teatral de todos os tempos. E nada melhor do que resgatar seus textos para quem já conhece e já leu.

E para aqueles que ainda não tiveram essa oportunidade é uma boa chance, já que vão surgir, com certeza, muitos lançamentos em livros, filmes e peças de teatro por aqui e pelo mundo. 

Gerald D

O gremista Gerald D escreve sobre artes, literatura, futebol e política com muita propriedade e consciência, o que reflete o seu gosto apurado pela boa leitura