Série especial: a picareta ‘Mesa da Fé’

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Nota

No início de 2007, o pastor Carlos Lima, que estava sendo investigado pela polícia, foi embora para o Brasil levando dinheiro que havia sido arrecadado na Mesa da Fé. Ainda hoje é possível encontrar pessoas em Allston-Brighton que foram lesadas e amargaram prejuízo financeiro. Na época alguns brasileiros indocumentados foram ameaçados pelos promotores de que em caso de queixa na polícia seriam denunciados para o ICE, o que provocou medo, revolta e perplexidade. O certo é que na dúvida muitos lesados resolveram não fazer conta e deixaram de lado qualquer reclamação e como é comum nestes casos, não tiveram a quem reclamar, só lamentar não terem ouvido os alertas e advertências. As reportagens originais foram publicadas no RefletirNews Newspaper nos nas edições 72 de 22 de novembro de 2007 e 73 de 11 de dezembro de 2007.

Picaretagem em nome da fé
A comunidade brasileira em Allston, Brighton e região se vê as voltas com um aparente bom negócio que atende pelo prosaico nome de Mesa da Fé, onde para entrar o indíviduo necessita fazer uma “doação” de US$ 1 mil, segundo o Regulamento da Mesa da Fé. Este mesmo Regulamento diz que a Mesa da Fé, está desenhada para prestar ajuda economica para as pessoas que necessitam por meio de doações dos seus familiares e amigos de inteira confiança. Afirma ainda que não é um jogo, mas sim uma associação formada por pessoas com o propósito de ajudar um ao outro, e que todos participam do mesmo modo e todos terão a mesma oportunidade de receber benefícios da associação. O regulamento escrito num português sofrível e repleto de erros gramaticais diz que o programa é sem fim de lucro (sic).

De acordo com o regulamento na Mesa da Fé não existe nenhum organizador ou pessoa em particular que está recebendo lucro ou até mesmo alguém que esteja responsável a receber dinheiro e repartí-lo. (sic). Diante destes “esclarecimentos” é um verdadeiro milagre que a Mesa da Fé funcione, pois se não há um responsável o sistema está acéfalo, ou funciona por inércia. O programa funciona em diversos níveis que atendem pelos sugestivos nomes de Sopa ou Salada, Aperitivo e Sobremesa. Num dos prospectos em cópia reprográfica aparecem vários nomes, entre eles o de Carlos Lima, que num determinado estabelecimento brasileiro mostrava o sistema na tela de um notebook para diversas pessoas, buscando novas adesões.

Informações dão conta de que quando o indivíduo cumprir todas as etapas do roteiro gastrônomico-financeiro, terá embolsado cerca de US$ 7 mil livres, e para isto necessariamente terá de cooptar em duas semanas dois convidados que por sua vez terão de colocar mais dois convidados, conforme o Regulamento no item 2 que diz literalmente o seguinte – Compreendo que o segundo requisito (o primeiro é doar US$ 1 mil) para permanecer na Mesa da Fé é: deverei trazer dois convidados quando o meu nome se encontrar na (sopa ou salada). Terei 2 semanas para conseguir os meus dois convidados. Em caso de não conseguir em 2 semanas os meus convidados, meu nome deverá ser removido para a área do (aperitivo), outra pessoa que tenha pelo menos um convidado estará ocupando o meu lugar na (salada). (sic) Os grifos em negrito são do próprio regulamento.

Todas as características da Mesa da Fé são de uma pirâmide financeira – para que o primeiro da lista se beneficie, recupere o seu dinheiro e saia com algum no bolso tem que colocar outras pessoas abaixo de si, escondida sob o manto da religiosidade, pois ao que parece o seu mentor e principal incentivador é um pastor evangélico. Cristão verdadeiro e professo não se vale da usura e do dinheiro alheio e muito menos de esperteza alguma.

Além do que, igrejas sérias e comprometidas com a pregação do evangelho na região estão sendo confundidas com quem patrocina a falcatrua. O acinte é tamanho, que é retido a título de “dízimo” de quem retira os US$ 8 mil, cerca de 10%, sabe-se lá para quem ou qual é a finalidade que é dada a este dinheiro.

As leis americanas não autorizam a captação de dinheiro sem as devidas autorizações, e não será nenhuma surpresa se o caso acabar na delegacia mais próxima ou em alguma corte, causando constrangimento em quem investe o seu dinheiro na esperança de ganhar mais.

O fim da picaretagem
Na edição anterior publicamos no Editorial o texto Mesa da Fé – Um grande negócio ou mais uma vigarice? A matéria causou comoção, perplexidade, gritaria, e as inevitáveis ameaças de processos entre outras.

Estima-se que sejam mais de 300 as vítimas da pirâmide financeira que é proibida pelas leis americanas. O convite para fazer parte de uma ação de ajuda mútua é tentador. É necessário doar US$ 1 mil e em poucos dias receber cerca de US$ 8 mil. As reuniões de cooptação eram feitas no basement da Igreja da Vitória do Avivamento no 519 Washington Street em Brighton (foto do Google Street View), e eram apresentadas e dirigidas pelo pastor Carlos Lima. Nestas reuniões algumas dezenas de pessoas ouviam atentamente e depois faziam as suas adesões à pirâmide disfarçada de “programa de ajuda financeira”.

Segundo relatos, ao fazer a apresentação o pastor Carlos Lima dizia que o programa não era de autoria dele, e sim de negras americanas, que impossibilitadas de obter crédito e sem dinheiro criaram o sistema que as ajudou nos seus negócios, na obtenção e captação de dinheiro. Na explanação o pastor Carlos Lima, diz que o programa da Mesa da Fé é reconhecido e legalizado pelo governo americano e que doações até US$ 11 mil estão isentas de impostos, o que não é verdade. As doações são feitas em dinheiro, e cheques não são aceitos.

Segundo o pastor Carlos Lima, quem entrega o dinheiro assina um recibo de doação, e quem recebe pode levar este recibo e declará-lo no seu imposto de renda sem nenhum problema.

A explanação do pastor Carlos Lima era feita num telão com a ajuda de um notebook, sendo oferecido aos participantes da reunião a abertura de conta num determinado banco americano.

O linguajar e a fala triunfante dizendo que o sucesso financeiro estava ao alcance de cada pessoa presente era corroborado com a afirmação de que ele próprio havia progredido. Como exemplo citava que antes da adesão ao programa andava de carro velho, e agora tem um carro de luxo com o qual tinha sido “abençoado”. Dizia também que dezenas de outras pessoas haviam se beneficiado na Mesa da Fé.

Sandra – nome fictício, foi levada a participar pelo marido que depois de participar de uma reunião na casa de um cunhado do pastor Carlos Lima. O marido de Sandra foi a convite de um amigo e ambos deram US$ 1 mil cada um para um homem de nome Marcelo, que naquele dia recebeu cerca de US$ 16 mil, e foi embora para o Brasil. Sandra recebeu US$ 2 mil, e o seu marido que não gerou convidado algum – uma exigência do programa, não recebeu nenhum tostão. Segundo Sandra, o pastor Carlos Lima afirma que quem entra vai para o “Aperitivo”, depois que trouxer mais convidados, vai para a “Salada”, e a pessoa somente vai progredindo a medida que os seus convidados gerarem outros convidados.

A mesa de Sandra não andou e dias depois ela estava sendo cobrada pela pessoa que havia entregue nas suas mãos os US$ 1 mil. O outro convidado de Sandra, resolveu cobrar do próprio pastor Carlos Lima, de quem ouviu as explicações acerca da Mesa da Fé, pedindo o seu dinheiro de volta. Isto se explica pois, nas reuniões o pastor Carlos Lima, dizia que se nada desse certo haveria a devolução do dinheiro, o que tem feito com que muitas pessoas o procurem na esperança de reaver os valores investidos na Mesa da Fé.

Outras pessoas foram ouvidas e por motivos óbvios preferem não se identificar, e afirmam categoricamente que o introdutor da Mesa da Fé na comunidade brasileira é o pastor Carlos Lima. No sábado dia 2, e no domingo dia 3 de dezembro algumas dezenas de pessoas se reuniam na frente da Igreja da Vitória do Avivamento na esperança de encontrar Carlos Lima, para recuperar o seu dinheiro. No entanto, as portas da igreja estavam fechadas e o pastor sequer atende o telefone para dar qualquer explicação o justificativa.

Procurado pelo RefletirNews, o pastor Carlos Lima afirmou que não é o introdutor do programa na comunidade brasileira, que a sua igreja não está envolvida em nada, e que somente o basement foi utilizado para reuniões, que também foram feitas em residências particulares, e mesmo com toda a cobertura da imprensa sobre o caso, reuniões continuam sendo feitas em Quincy, Brockton e em alguns salões de beleza de brasileiros em Allston, em algumas reuniões o pastor Carlos Lima tem comparecido pessoalmente.

Diz que não foi procurado por ninguém para reaver dinheiro de volta, mesmo porque segundo ele pessoalmente não pegou qualquer importância de qualquer pessoa, e diz que o programa falhou porque pessoas agindo de má fé usaram nomes falsos e ao receber o dinheiro foram embora. Culpa ainda a matéria publicada na edição anterior do RefletirNews como a responsável pela debandada geral que o programa teve, pois segundo ele o texto dizia que o programa não é confiável, e que está sendo acusado injustamente, uma vez que o seu papel foi somente o de explicar ao povo como funciona o sistema, que ao que parece de fato é uma grande gelada.

Restam centenas de pessoas que se sentem lesadas, sendo que alguns não tem a menor esperança de receber o valor investido de volta. Pessoas que investiram as economias de um ano de trabalho, outras que pegaram dinheiro emprestado com amigos e parentes para investir na Mesa da Fé. Há inúmeros casos de mulheres que entraram na pirâmide sem que seus maridos soubessem e até quem investiu dinheiro das contas pessoais e agora não tem onde reclamar.

Alguns destes lesados tem buscado orientação no Centro do Imigrante Brasileiro na expectativa de minorar o seu prejuízo pessoal.

 

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros