ESPECIAL: quando o abusador veste terno e carrega uma Bíblia 

Série especial sobre abusos emocionais, psicológicos, relacionamentos abusivos e violência doméstica

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Muitos abusadores emocionais escondem-se na religião

Nota
O blog mundoyes.com, inicia uma série sobre abuso emocional, psicológico, sexual e violência doméstica. Nesta primeira reportagem, Marisa – que pediu para que seu nome fosse trocado, conta a sua história e dos abusos que sofreu no seu casamento por parte de Álvaro – nome também trocado. Álvaro é pastor pentecostal e hoje mora no Brasil. O depoimento de Marisa está publicado na íntegra. 

Anos de sofrimento nas mãos de um homem abusivo
Marisa chegou aos Estados Unidos no meio de 1995, com 26 anos. Formada em Letras, com o sonho de se aperfeiçoar no inglês e voltar ao Brasil para exercer o magistério, profissão que sempre amou. Marisa fez cursos no CCAA, mas como sua irmã morava nos Estados Unidos, seguiu a opção de aperfeiçoamento aqui. 

No dia que chegou na América, conheceu Álvaro, que se tornou seu melhor amigo e logo começaram a namorar, engravidando do primeiro filho. Marisa e Álvaro se casaram em julho de 1996, contra a vontade da sua família, que sabia de alguns episódios da vida dele. Mas, ele era um rapaz muito simpático, carismático, e cheio de lábia.

“Na segunda semana de casados aconteceu o primeiro episódio de abuso. Ele havia saído do trabalho e, para ajudar, eu comecei a fazer lanches para vender numa escola de teologia que funcionava em uma igreja nos arredores de Boston. Eu fiz uma galinhada e alguns sanduíches naturais de peito de peru. Ele detesta frango e começou a gritar que eu não iria vender aquela lavagem para ninguém. Quando eu respondi ele me empurrou, e eu caí. Peguei a bebê, e ele continuou a gritar. Assustada, eu fiquei sem reação. Logo depois ele pediu desculpas e disse que só estava nervoso. Os anos se passaram e ele raramente trabalhava, com a desculpa de seu negócio era o ministério pastoral. Nesse meio tempo, eu me tornei uma pessoa introspectiva, sem muitos amigos, engolindo as palavras rudes que eram a marca registrada dele. De tanto trabalhar limpando casas, tive um aborto espontâneo aos cinco meses de gravidez. Depois tive um outro bebê. Ele sempre ficava se olhando no espelho e se gabando de quão sortuda eu era por ser casada com um cara tão bonito. Que muitas (mulheres) queriam estar no meu lugar. Um dia, chegou em casa com um terno caríssimo e disse: ‘eu até vi muitas roupas bonitas na loja, mas não existe roupa que te sirva. Você é muito baixinha e gorda, tem que achar uma costureira especial, pois loja nenhuma tem roupa para você’”, diz Marisa acerca dos abusos verbais e morais do então marido.

Quando o filho caçula estava com dois anos e meio, fomos designados para que abríssemos uma igreja na região do MetroWest, pois o pastor local havia deixado o ministério por divergências com a liderança. Nunca me perguntaram se eu concordava com a mudança, mas, como eu acreditava naquela ideia antiga de submissão, fui. Chegando na cidade, começamos a igreja, mas eu continuava a trabalhar limpando casas, pois nunca recebemos salário da igreja. Álvaro tinha agora outra desculpa para não querer trabalhar. Tinha que cuidar da igreja, que, diga-se de passagem, estava crescendo. Mas o pastor Álvaro começou com seus hábitos estranhos de fazer visitas às irmãs da igreja em horários pouco convencionais. Só chegava em casa depois da 1 da manhã, dizendo que estava visitando as ovelhas. E gritava. Então, um membro da igreja decidiu voltar para o Brasil e ofereceu nos passar um restaurante. Eu disse que não, mas o Álvaro, na teimosia, fechou o negócio. Como ele não tinha ideia de cozinha, sobrou para mim o trabalho pesado da cozinha. Ele então arrumou duas de suas amigas (as que sempre visitava) para trabalhar no restaurante. Quando eu abria a boca, ele falava: ‘você não suporta ver mulher bonita perto de mim, pois você não se cuida. Elas se cuidam e são lindas’. Ele continuou com essas atitudes estranhas até o dia em que, ao voltar da limpeza das casas para fechar o restaurante, eu pedi que ele me ajudasse a limpar a cozinha, ao invés de ficar no escritório no computador e no telefone. Foi a gota d’água. Ele veio, colocou as crianças para fora, trancou a porta e começou a jogar os pratos e talheres em minha direção. Quebrou microondas, pratos, tigelas e tudo que estava ao seu alcance, me agarrou com força pelo braço e eu só escapei porque fui esperta. Nunca imaginei que minha filha havia presenciado a cena, o que só fiquei sabendo anos mais tarde. Peguei meus filhos e fui para casa em choque. Ele chegou em casa, tomou banho, colocou seu terno de luxo para ir ao culto na igreja sede. E eu perguntei: ‘você tem coragem de ir para a igreja depois do que fez?’”, continua.

“Ele me respondeu: VOU, E SE ME DEREM OPORTUNIDADE, TENHO A CONSCIÊNCIA TRANQUILA PARA PREGAR. NÃO SEI QUAL É O BIG DEAL, NÃO ACONTECEU NADA DEMAIS. Naquele momento eu percebi que estava casada com uma pessoa bipolar ou um psicopata, sei lá. Quando retornou, em companhia de um membro da igreja, parou no restaurante para mostrar o que ele havia feito, se orgulhando e dizendo: ‘fiz isso para ela saber quem manda aqui’. O rapaz disse que tinham que limpar a quebradeira, e ele respondeu que se eu quisesse, que limpasse tudo. No outro dia limpei tudo. Sempre tentei poupar meus filhos de tudo. Naquela noite, ele veio pra casa e me pediu perdão, que orasse por ele pois estava possesso. Então eu o confrontei e perguntei se ele estava me traindo. Ele olhou para mim e disse um sonoro NÃO. Por causa das crianças, eu o perdoei e ele prometeu que iria mudar.  Uma semana depois, o marido da mulher com quem ele estava saindo, me contou a verdade. Foi o primeiro dos muitos adultérios que ele cometeu. Quando descobri, fiquei muda, sem reação. Então colocamos o restaurante a venda e retornamos para Boston. Ficamos nesta cidade por três anos e meio. Voltando para Boston, ele ficou sem trabalhar até gastar tudo o que arrecadamos com a venda do restaurante. Se dizendo deprimido, foi para o Brasil e lá ficou vivendo de regalias por quase dois meses. Eu, por um tempo, fiquei indignada até com Deus, pois ele, que estava fazendo tudo errado, ainda foi agraciado com seu green card, e eu, que nunca havia aplicado ou feito alguma coisa errada, recebi uma carta de deportação. O assunto do green card é outro. Abro parênteses para dizer que caímos no golpe do green card fácil oferecido pela igreja que congregávamos em 2001, com um advogado que foi preso e deportado por fraude. Até hoje estou tentando resolver minha situação”, diz. 

“Infelizmente o Álvaro nunca mudou. Por algum tempo, parecia que tudo iria ficar bem, ele dirigia um culto de libertação aos sábados em uma igreja na grande Boston, mas quando houve uma confusão na igreja, saímos e fomos para outra igreja onde ele se tornou líder dos jovens. Mas o mau hábito de fazer coisas fora de hora, tarde da noite, voltou. Eu trabalhava limpando casas e nos fins de semana, confeccionando bolos e doces para festas. Ele sempre teve o mau hábito de fazer elogios indiscretos para outras mulheres além de flertar com elas. Até que, em 2014, ele começou a ficar muito chegado com uma mulher da igreja que era casada com um americano. Sem me comunicar, os dois abriram uma companhia de landscape, como sócios. Quando eu o confrontei, disse aos gritos que, quando ele tivesse muito dinheiro, eu iria beijar-lhe os pés. Eles já eram amantes. O marido da mulher descobriu o caso deles e morreu misteriosamente no fim de 2014, no começo de 2015 ele foi para o Brasil, dizendo que iria começar uma companhia de construção com o irmão. Na verdade, ele foi para concluir a construção da primeira das três mansões que construíram com o dinheiro do seguro de vida do falecido, Meus pais vieram me visitar naquele ano e se assustaram ao me ver tão deprimida. Um dia, já com passagem marcada para o Brasil, ele me disse que precisava fazer um exame de sangue, pois estava com muita dor no pescoço e nas costas. Eu então perguntei se o médico havia dado o encaminhamento do exame. Ele disse que não, que iria pagar para fazer numa clínica particular. Eu disse: ‘nunca ouvi falar que isso existe! Só se faz exame de sangue com encaminhamento de um médico’. Mas ele insistiu na história. Dias depois eu descobri que ele tinha ido a uma clínica de fertilização in vitro para doar o sémen para a amante. Quando o confrontei, pois ainda éramos casados, ele me respondeu com a maior cara de pau: ‘o sémen e meu, eu doo para quem eu quiser. Então, me aconselharam e exigiram que eu tomasse uma atitude. Me explicaram que os votos (matrimoniais) só são válidos se honrados pelas duas partes. Que chegava de tanto abuso. Mais tarde, naquele mesmo ano, a mulher também foi para o Brasil. Então eu tomei a decisão de me divorciar. Quando comuniquei a ele, veio com todas suas malas dizendo que não queria perder sua família. Mas fiquei firme. E ele não parou. Instalou um aparelho de escuta e um GPS no meu carro para vigiar meus passos. Me ameaçou, disse que ia me deixar à míngua. Nunca me deu um centavo. Comecei a trabalhar dias e noites sem parar para manter minha filha no college, minha casa, carros, seguros, despesas do meu filho na high school. Emagreci quase 100 libras, fiquei pele e osso, com menos de 90 libras. Era uma dor cortante, um sentimento de inferioridade, uma sensação de que eu não havia sido criada para ser feliz. Mas eu nunca demonstrei para os outros. Perguntavam e eu dizia que era dieta e exercícios. Minha filha entrou em profunda depressão. Meu filho se trancou em uma caixinha de rancor. Passamos, eu e eles, pelo vale. Mas em tudo, Deus nunca me desamparou. Continuei cantando no grupo de louvor da igreja. Cuidando dos meus preciosos filhos, aos quais eu finalmente contei todo o ocorrido. Em dezembro de 2016 conheci o Tom, que agora é meu marido, me trata como princesa e está me ajudando a superar tudo o que passei. Estou feliz. DEUS É FIEL”, diz Marisa. “Espero que outras mulheres lendo este meu depoimento e que enfrentam a mesma situação, se deem conta e se libertem da relação abusiva e prejudicial para a saúde.

Abuso emocional
O abuso emocional pode se caracterizar de diversas formas e modos. Um deles é a humilhação constante do cônjuge, namorado/a ou companheiro/a. Pode envolver questões financeiras e de comportamental. O assédio moral é uma das características de abusadores emocionais que agem sempre no sentido de diminuir a outra pessoa. 

  • Falas pejorativas ‘Você é gorda’; ‘Você é uma porca’; ‘Preguiçosa’; ‘Fracassado’; ‘Incapaz’, etc;
  • Diminuição moral da esposa/o na frente dos filhos e dos amigos;
  • Apelidos e nomes depreciativos;
  • Chacotas e exposição a situações constrangedoras;
  • ‘Lugar de mulher é na cozinha’; ‘Mulher só serve para lavar roupa’; ‘Toda mulher é burra’, etc;
  • Menosprezo pelas qualidades e conquistas da/o outra/o pessoa;
  • Quando confrontados/as dizem que tudo é brincadeira;
  • Busque ajuda para se livrar do abusador/a emocional

Imagens meramente ilustrativas

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros

1 COMMENT

  1. Muito bom Jehozadak! As igrejas brasileiras por aqui precisam ser mais reponsaveis em prestar contas sobre as pessoas que trabalham em suas instituições como acontece em qualquer outra empresa nos EUA. Esse é apenas um caso de muitos que acontecem – triste realidade!

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