BEETHOVEN. Um gênio humano

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Ludwig van Beethoven, o maior de todos os gênios da música

Gênios não são humanos. Gênios são seres de outro planeta. 

Vivem em constelações distantes do nosso sistema. 

Estão muito além da nossa limitada capacidade intelectual.

Aparecem de tempos em tempos em lugares remotos, geralmente fora dos grandes centros urbanos.

Penso que esses acontecimentos são obras de Deus e seu narcisismo.

Colocando um aqui, outro ali, outro acolá como um alerta, um aviso aos incautos de que Ele está na área. Atento.  

Um exemplo?

Pois bem, contam que a dramaturga inglesa Enid Bagnold certa feita perguntou a uma feminista que conselho daria a uma dona de casa de 23 anos de idade passando por enormes dificuldades financeiras que, tendo perdido quatro filhos, estivesse grávida outra vez de um marido alcoólatra e violento.

– Eu insistiria para que ela interrompesse a gravidez – respondeu a feminista.

– Neste caso – disse Bagnold -, você teria abortado Beethoven.

Os fatos relatados pela escritora inglesa não estavam completamente certos. Apenas duas crianças faleceram antes do pequeno Ludwig, sendo uma delas de um casamento anterior.

E não existe registros de que Johann van Beethoven tenha alguma vez batido em sua esposa, mas com certeza foi um pai cruel que enfrentou problemas nos tribunais em decorrência do alcoolismo.

Ludwig van Beethoven nasceu em Bonn, Alemanha, provavelmente no dia 16 de dezembro de 1770, e batizado no dia 17 de dezembro.

Este ano completam-se 250 anos de seu nascimento. 

Centenas de exposições e concertos que estavam programados para este mês pelo mundo foram cancelados. Livros, dezenas, tiveram suas publicações adiadas. 

Todos para comemorar o aniversário do mais genial músico que habitou este mundo de miseráveis.

Um gênio com todas as debilidades humanas.

Para a professora de música da Universidade de Oxford e autora da recente biografia Beethoven: A Life in 9 Pieces, Laura Tunbridge, isso faz parte do mito romântico de Beethoven, porque “preferimos a imagem do artista torturado por seus demônios internos e doenças físicas”, disse à BBC News.

Na verdade, o compositor sofria de inúmeros problemas de saúde e foi submetido a alguns horríveis e até ridículos tratamentos médicos que ao invés de melhorar ou aliviar seu sofrimento, agravaram ainda mais seus males.    

Seu sofrimento físico e social não tinham limites.

Os passeios pelas ruas de Viena e a miséria diante de seus olhos se arrastando como cobras era por demais torturantes.

Muitas vezes lamuriava ao seu esporádico acompanhante e amigo Goethe uma inconformidade com tamanha desigualdade social.

Desafiava sua fúria ao piano em obras que conquistaram a imortalidade.

Um governante deve governar primeiro para os humildes que sempre serão em maior número. Depois os outros.

Sua obra é uma clara manifestação de liberdade e anseio democrático.

Compôs Fidelio, sua única ópera, que nada mais é do que um poderoso manifesto contra a tirania.  

Uma das grandes frustrações de Mozart, outro morador ilustre de Viena, era tocar para meia dúzia de privilegiados.

Minhas peças são feitas para o povo, dizia.

Das inúmeras histórias, contam que certa feita teria dito a um príncipe: “Você é o que é por nascimento. Eu sou o que sou por mim mesmo. Há e haverá muitos príncipes, mas Beethoven só há um.”  

Assim era Beethoven. Revolucionário. Genial. Um ser muito além dos limites da imaginação humana.

Era capaz de improvisar ao piano como poucos do seu tempo. Tocava com extrema velocidade. Muitas vezes, ao tocar uma tecla, usava sutilmente a posterior ou a anterior como um “tipo” contraponto. Era um toque quase imperceptível para um leigo. 

Toda artista é um rebelde. Todo gênio é um revolucionário.

Beethoven foi reconhecido como um gênio de primeira ordem na adolescência. 

Quando chegou a Viena, aos 21 anos de idade, a cidade o consagrou. Era disputado pela nobreza. Todos queriam a sua amizade e simpatia.

Antes dos 40 anos, tornou-se o compositor mais famoso do mundo. Era um artista reconhecido e admirado por todos.

Viena tinha a áurea da música sobre seu chão. Chamada “Trindade Vienense” (Haydn-Mozart-Beethoven). E um quarto que não pode ser esquecido e que deixou uma marca sobre Viena: Franz Schubert. 

Viena respirava música no século XVIII e início do século XIX.    

Em qualquer lugar do planeta, do canto mais remoto do Brasil a Boston, sempre existirá algo, um som, um acorde, uma música que lembrará Beethoven. 

A Nona Sinfonia, por exemplo, é considerada uma das obras mais executadas do mundo. Trechos são identificados em comerciais de rádio e televisão, documentários, músicas e filmes.  

Todos os grandes compositores tiveram seu momento. Alguns mais, outros menos. Beethoven não. Beethoven é eterno. É permanente.

Beethoven é universal. 

Tinha um amplo domínio da arquitetura musical que era tão instintivo quanto inovador.

Sua habilidade de expor em sons e movimentos toda emoção humana, da morte ao amor à vida num mesmo pacote, são incomparáveis.

Eram tempos complicados e de amargas decepções. Guerras e conflitos políticos faziam parte do cotidiano de Beethoven.

O sonho de uma sociedade vivendo com liberdade, igualdade e comunhão estavam presentes e vivas em suas notas.

Música era mais do que simples diversão. Era Arte no sentido mais amplo do termo. 

E Arte era algo decisivo para os seres humanos. Um processo evolutivo. Um ato civilizatório. De conhecimento em busca da liberdade. Um manifesto humanitário para os novos tempos: Igualdade, Liberdade e Fraternidade.

Suas últimas peças, o quarteto de cordas número 15, Opus 132, que contém o movimento “Heiliger Dankgesang”, foi criado em agradecimento a Deus por tê-lo ajudado a se recuperar de uma doença.

E nada expressa melhor esse socialismo, essa confiança na humanidade e essa crença em um mundo mais justo e mais fraterno do que os acordes finais da Nona Sinfonia. Um hino à fraternidade.

Procurou por décadas uma maneira de musicalizar o poema de Friedrich Schiller, até que finalmente encontrou na última de suas Sinfonias o espaço que tanto buscava.

Ode à Alegria expressa luz na escuridão; progresso contra o obscurantismo; educação contra a ignorância; liberdade contra a opressão; democracia contra o autoritarismo; flores pelas armas.

Em Osaka, no Japão, anualmente, juntam-se 10 mil cantores amadores para cantar Ode à Alegria no Natal.

Eu tenho a leveza da vida. Você, o fardo da morte.

Beethoven desafiava com sua música os conservadores do seu tempo.

O gênio é muito mais das 9 Sinfonias. Uma ópera, Fidelio, 5 concertos para piano, 47 sonatas, 16 quartetos de cordas, 2 missas, um oratório e vai mais além, muito mais além.

A editora Deutsche Grammophon e a Beethoven-Haus Bonn lançou um projeto com suas obras completas que inclui 118 CD, 2 DVD e 3 BD, fornecendo mais de 175 horas de música.

Vamos ouvir Beethoven. Em alto e bom som. Vamos romper o silêncio. Lembrar Beethoven. Desafiar o sistema e gritar seu nome para espantar de vez os novos tiranos que andam por aí. 

Como escreveu Jenny Farrell, “o final da Nona Sinfonia antecipa e celebra a vitória deste ideal: uma sociedade futura, na qual a liberdade, a igualdade, a comunhão universal sejam cumpridas, na qual a Alegria pode reinar”.  

E esse ideal Beethoven manteve até o fim de sua vida.  

Gerald D

O gremista Gerald D escreve sobre artes, literatura, futebol e política com muita propriedade e consciência, o que reflete o seu gosto apurado pela boa leitura