Série especial: o caso da pirâmide FoneClub

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Sann Rodrigues, o mentor da pirâmide FoneClub

Em meados de 2006, numa tarde de domingo numa determinada comunidade evangélica na região de Allston-Brighton, Roberto (nome fictício) exibia orgulhoso um cheque no valor de US$ 17 mil aos seus amigos e colegas da igreja. O que significava aquilo? Bem, Roberto havia entrado ou aderido a uma nova prática que era novidade entre os brasileiros em Massachusetts –marketing multi nível também chamado popularmente de MNN.

O cheque que Roberto tinha em mãos era de uma empresa chamada FoneClub e eram advindos da cota que o brasileiro de Governador Valadares havia ‘adquirido’ convencido que fora por um outro brasileiro chamado Sanderley Rodrigues de Vasconcelos ou Sann Rodrigues. Adquiridos da Universo FoneClub que supostamente vendia e comerciava entre outros produtos cartões de telefone.

Afável, de boa conversa, bem vestido e um hábil negociador, Sann Rodrigues encontrou nos brasileiros um campo fértil para implantar uma nova modalidade de negócios e quem não queria investir um pouco e ganhar um montão de dinheiro? Sann era associado do pastor Victor William Sales, um ex-missionário que havia sido ministro em algumas igrejas de brasileiros.

Quem abria as reuniões do FoneClub eram sempre o reverendo Victor William que fazia a sua preleção triunfalista e pregava que cada qual tinha direito de ser próspero e a empresa era a independência financeira de quem estava cansado de trabalhar arduamente e que Deus queria que os brasileiros fossem ‘ricos’. Devidamente amaciados por Victor William, restava pouco para Sann Rodrigues fazer, já que as pessoas estavam ávidas para investir o seu dinheiro. Fotografias de pessoas jogando golfe e na frente de casas milionárias compunham o quadro de convencimento. Testemunhos de investidores afirmando que haviam arrecadado US$ 10 mil em pouco mais de uma semana era a cereja do bolo no convencimento de algum indeciso. E pessoas como Roberto faziam fila para aderir à FoneClub.

Para ter um cargo de ‘manager’ no Universo FoneClub era preciso pagar US$ 1,990, já para ser um ‘executivo’ era preciso pagar US$ 4,990 como taxa de adesão.

Tudo parecia perfeito e cada investidor tinha que levar outros investidores que ficavam abaixo deles, até que em maio de 2006, a U.S. Securities and Exhange Commission – SEC abriu um processo contra Victor Sales e Sann Rodrigues por oferta fraudulenta de valores imobiliários. Logo no tópico 1 da denúncia a SEC afirma que o FoneClub tem características de uma típica pirâmide baseado no esquema de Ponzi. A acusação da SEC dizia ainda que Sales e Rodrigues tinham em mãos cheques de investidores em valores entre US$ 1 milhão e US$ 1,5 milhão.

As autoridades buscaram uma liminar para suspender as ações da Universo FoneClub, a restituição de valores arrecadados de forma ilícita e enriquecimento ilícito. Em pouco mais de dois meses e meio, segundo apuração da SEC havia cerca de 2 mil membros, a maioria da cidade de Framingham, Massachusetts.

Numa reportagem do MetroWest Daily News de maio de 2006, Sann Rodrigues negou que o FoneClub fosse uma pirâmide, e sim que é uma empresa de marketing multi nível. A reportagem cita ainda o testemunho de duas pessoas que afirmaram que Sann Rodrigues e Victor Sales haviam distribuído entre US$ 1 milhão a US$ 1,5 milhão em cheques de valores variado numa única noite em uma reunião.

Em 1 de junho de 2006 a SEC obteve uma ordem para suspender as atividades da Universo FoneClub, processo que atingiu Sann Rodrigues e Victor William Sales. Em 23 de maio de 2007 a corte federal de Boston emitiu sentenças contra a FoneClub, Sann Rodrigues e Victor William Sales. Para se defender Sann Rodrigues alegou que não conhecia os meandros da lei e afirmou que somente depois que consultou advogados especialistas é que descobriu falhas na comercialização o que provocou a intervenção da Security Exchange Commission. As operações do FoneClub somente foram paralizadas por uma imposição da SEC, e se isto não acontecesse não se sabe até onde iria e quais seriam as consequências do seu funcionamento.

Dos US$ 3,269,459 que teriam sido arrecadados pelo FoneClub, US$ 1,805,612.66 foram retidos pela SEC para ressarcimento de possíveis investidores lesados.

De tudo isto, resultou que Victor William Sales, teve os bens retidos, as contas bancárias congeladas e consta que tempos depois voltou ao Brasil. Já Sann Rodrigues livrou-se da justiça e continuou vivendo na comunidade. Sabe-se a partir das suas próprias palavras que se tornou um investidor, foi diretor da área comercial de uma emissora de televisão brasileira, foi co-promotor de um show de Roberto Carlos e há algum tempo atrás mudou-se para a Flórida. Foi sócio de um jornal comunitário em Boston, teve um programa radiofônico com Fausto da Rocha, tentou alguns negócios e ressurgiu em grande estilo como promotor da TelexFREE.

Recentemente Sann Rodrigues apareceu num vídeo que ele próprio teria gravado a bordo de uma reluzente e potente Ferrari, numa estrada da Flórida incentivando a sua rede na TelexFREE a continuar trabalhando. Rodrigues apesar das acusações de fraude e de ter fama de milionário, é de certo modo uma celebridade mundial no marketing multi nível, a ponto de ser admirado e invejado como tal por outros adeptos da prática.

No entanto, a trajetória de Sann Rodrigues e seus negócios nem sempre legais diante da lei, nos dá uma importante lição. A lição de que a nossa gente é ingênua, e é sempre atraída pela ganância e a promessa de lucros fartos, a ponto de não se dar conta de que está pronta para entrar numa nova armadilha que deixa desilusão, fracasso, raiva, prejuízo, frustração e muito choro.

A comunidade é tão crédula que não soube distinguir que a simples presença de um pastor evangélico, supostamente dizendo frases prontas e de incentivo não passa de mais uma estratégia para atrair mais gente. Por outro lado a distribuição de cheques e prêmios se encarrega de despertar a cobiça cega de uma multidão que não hesita em aplicar as suas economias.

Há também o uso do nome de Deus, tanto nas reuniões como no material promocional, cuja intenção é fazer crer que tudo o que gira em torno da suposta pirâmide da hora é abençoado, quando na realidade não mais um truque para captar mais e mais clientes.

Mesmo estando livre e sem restrições legais até na semana passada quando foi indiciado pela SEC por sua participação na TelexFREE, Sann Rodrigues precisa saber que a comunidade foi submetida a imensos constrangimentos diante das autoridades e da sociedade americana.

“O simples fato de pedir perdão a todos não é o suficiente para limpar esta mancha que paira sobre os brasileiros de um modo geral. Pedir é uma boa atitude, mas o honesto e digno seria devolver integralmente o dinheiro de todos os que investiram no FoneClub e agora na TelexFREE”, afirmou Roberto voltou a sua rotina de pintor e entregador de jornal, escaldado pelo prejuízo que levou há sete anos atrás e do qual jamais se esquece e mesmo que teoricamente tivesse direito a qualquer restituição na justiça jamais se aventurou por medo de ser indiciado.

Próxima reportagem da série: A Mesa da Fé

 

Jehozadak Pereira

Jehozadak Pereira é jornalista profissional e foi editor da Liberdade Magazine, da Refletir Magazine, do RefletirNews, dos jornais A Notícia e Metropolitan, do JS News e jornalista da Rede ABR - WSRO 650 AM. Foi articulista e editorialista do National Brazilian Newspaper, de Newark, New Jersey. É detentor de prêmios importantes tais como o Brazilian Press Awards e NEENA - New England Ethnic Newswire Award entre outros